sexta-feira, setembro 22, 2006

A Nova Lei de Execução

uma vitória da efetividade processual?

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Joaquim Pedro Rohr
advogado no Rio de janeiro(RJ), Professor de Processo Civil

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Introdução

Em 23 de dezembro de 2005, foi publicada no Diário Oficial a Lei n.º 11.232, que instituiu o novo procedimento para a execução das sentenças judiciais condenatórias. É bom que se esclareça, desde já, ter sido excluída do projeto de lei que foi aprovado pelo Congresso Nacional qualquer modificação quanto às execuções por título executivo extrajudicial, cujo procedimento permanece idêntico àquele antes da entrada em vigor da Lei n.º 11.232.

A Lei n.º 11.232 é mais uma etapa da modernização do direito processual pátrio, sob os auspícios dos princípios da celeridade (agora, com sede constitucional: art. 5º, LXXVIII) e da efetividade processual, que se iniciou com a reforma introduzida pela Lei n.º 8.952/94, instituindo, na nossa legislação positiva, entre outros dispositivos, a possibilidade de antecipação da tutela jurisdicional. Depois, tivemos outras reformas setoriais, especialmente nos recursos (lei n.º 9.139/95, lei n.º 10.352/01 e, recentemente, lei n.º 11.187/05), sempre no intuito de tornar a prestação jurisdicional mais efetiva e célere.

Agora, em boa hora, é a vez da execução por título judicial. Para quem milita no contencioso jurídico, sempre pareceu um contra-senso, até mesmo uma injustiça, a parte ter de aguardar por anos a fio a efetiva entrega da prestação jurisdicional já definitivamente reconhecida, após haver esperado anos (quiçá, décadas) por uma solução do litígio. Para um leigo, essa situação parecia kafkaniana, além de ser de um ilogismo difícil de ser explicado.

A anterior excessiva preocupação com a segurança jurídica, comum às normas processuais, passou a dar vez a uma crescente busca por proporcionar ao jurisdicionado uma efetiva entrega da prestação jurisdicional, do modo mais racional e rápido possível (corolário do princípio do acesso à Justiça). Se é certo que o processo judicial invariavelmente demanda tempo, sendo um elemento que dele não pode ser afastado [01], não é menos certo não poder perdurar por toda uma eternidade, frustrando a expectativa daqueles que buscam no Judiciário a tutela de seus direitos [02].

Na medida do possível, o processo deve terminar "bem e rápido" e isto significa suprimir formalismos exacerbados e institutos desnecessários para reduzir o tempo de duração dos ritos que tradicionalmente demoram um longo período.

A função jurisdicional somente se aperfeiçoa com a entrega do bem jurídico reconhecido em sentença, o que é justamente o escopo da execução. A prestação jurisdicional, portanto, só termina ao final do processo de execução [03], pois de nada adiantaria reconhecer um direito, se o processo não cumprisse a sua finalidade de "dar a cada um o que é seu de direito". A execução, nesse diapasão, por ser o momento da entrega do bem jurídico, é essencial para uma prestação jurisdicional que pretenda ser efetiva e célere.

Efetuar uma reforma no processo de execução era imperioso para a conclusão de um movimento que se iniciou em 1994, tendo por objetivo proporcionar aos juízes a possibilidade de dar à sociedade (que é a destinatária final das normas processuais) uma resposta mais rápida e efetiva às demandas, cada vez mais numerosas, apresentadas perante o Poder Judiciário. Afinal, se o escopo da jurisdição é "a realização do direito objetivo e a pacificação social" [04], nada mais justo do que a entrega de um bem jurídico já reconhecido por sentença judicial ser realizado da maneira mais rápida e objetiva possível.

A Lei n.º 11.232 surgiu com esse intuito. Se ela será ou não capaz de agilizar a marcha processual e tornar mais célere e efetiva a prestação jurisdicional é algo que dependerá da atuação concreta dos juízes e dos hermeneutas em geral que se propuserem a interpretá-la. Fica somente o registro: todo instituto jurídico deve ser analisado sob o prisma da finalidade para a qual foi instituído [05]. Se antes, haviam queixas sobre o excessivo formalismo dos dispositivos que regiam o processo de execução, limitando a atuação dos juízes e impossibilitando-os de prestar eficientemente a sua função jurisdicional, hoje tal reclamação não pode mais ter lugar.

A recente lei veio justamente para dar um novo colorido ao processo de execução, concedendo meios para atingir os anseios sociais por uma Justiça mais eficiente. Não caberá uma interpretação retrógrada de seus dispositivos, sob pena de manter-se o status quo, que, como sabemos, deixa muito a desejar.

Esse trabalho visa analisar alguns questionamentos que surgem com a nova lei, buscando sempre interpretá-la no contexto sob o qual foi elaborada e aprovada, com vistas a alcançar a finalidade para a qual foi instituída: proporcionar uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva.


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1. Início da vigência da lei

Delimitar a data de vigência da lei pode até parecer desimportante a priori e, em uma análise perfunctória, sequer foi objeto de estudo pelos inúmeros artigos que foram publicados a respeito da Lei n.º 11.232, pois propala-se, sem maiores considerações, que a vigência da lei iniciar-se-á em 22 de junho de 2006.

Realmente, se comparada a outros questionamentos que surgem com a nova lei, a questão poderá parecer menor. Porém, como todos sabem, as leis processuais são normas de ordem pública e, por isso, têm aplicação imediata [06], apresentando o que se convencionou chamar de retroatividade mínima. Vale dizer, será aplicável a todos os processos cuja execução de sentença ainda não se iniciou. A contrario senso, naqueles processos onde a execução já tiver se iniciado ou nas que se iniciem durante a sua vacatio legis, aplicar-se-á as normas do Código de Processo Civil que foram revogadas.

Analisado desta forma, a delimitação do início da vigência da lei será importante para fixar a data específica a partir de quando a lei produzirá os seus efeitos e poderá imediatamente ser aplicada aos processos em curso. Vê-se, deste modo, que a questão não é tão irrelevante assim, como pode parecer em um primeiro momento.

Dispõe o artigo 8º, da Lei n.º 11.232 que ela entrará em vigor "�6 (seis) meses após a data de sua publicação".

Tendo sido a lei publicada em 23 de dezembro de 2005, uma análise menos cuidadosa sobre a questão indicaria que a lei vigorará a partir do dia 26 de junho de 2006, caso utilizássemos a regra geral sobre contagem de prazo, excluindo-se o termo inicial e incluindo-se o termo final, já que 23 de dezembro de 2005 recaiu em uma sexta-feira.

Todavia, tratando-se de processo legislativo, devemos observar os comandos da Lei Complementar n.º 95/98, cujo artigo 8º, §1º, textualmente dispõe "a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral". Com base nesse dispositivo, a vigência da nova lei se iniciaria no dia 24 de junho de 2006, pois 6 meses contados a partir de 23 de dezembro de 2005, recai em 23 de junho de 2006, iniciando-se a vigência no dia posterior à sua consumação integral, conforme determina a lei complementar n.º 95.

Há quem defenda, no entanto, que a contagem da vacatio legis deve ser sempre realizada em dias porque o artigo 8º, §2º, da citada lei complementar (alterada pela lei complementar n.º 107/2001) dispõe que "As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ´esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial". Entretanto, entendo que a contagem em número de dias não é obrigatória, como querem fazer parecer alguns doutrinadores, e sim uma mera predileção, estando o legislador ordinário livre para excepcioná-la se assim expressamente o dispuser, até mesmo por não existir hierarquia entre lei complementar e lei ordinária [07].

Além do mais, a contagem pelo número de dias, quando a lei define a vacatio em meses ou anos, causaria insegurança jurídica porque não há um critério único e definitivo para a sua aferição, podendo cada autor indicar o que achasse mais conveniente. Por exemplo, os 6 meses da vacatio legis da Lei n.º 11.232 correspondem a 180 dias [08] ou teremos que contar o número de dias existentes entre 23 de dezembro de 2005 (data da publicação) e junho de 2006 (quando se perfazem os 6 meses) para utilizar esse número na contagem [09]? Como não há uma resposta satisfatória para essa indagação, além de ser muito mais trabalhosa a contagem por dias quando a vacatio legis é extensa (como, por exemplo, 1 ano), deve prevalecer a contagem na forma como é estabelecida na lei ordinária. Não vemos ser o intuito da Lei complementar n.º 95/98 complicar a contagem de um prazo que pode livremente ser estabelecido pelo legislador (ou seja, não está afeta a reserva de lei complementar).

Conclui-se, portanto, que a Lei n.º 11.232 entrará em vigor no dia 24 de junho de 2006 (e não 22 de junho), e, a partir desta data, poderá ser imediatamente aplicada aos processos cuja execução (cumprimento) do título judicial ainda não houver se iniciado.


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2. Execução como fase processual, e não como processo autônomo

Conforme anteriormente asseverado, a Lei n.º 11.232 modificou apenas o procedimento quanto à execução fundada em título judicial, em nada alterando o rito da execução por título executivo extrajudicial. Este permanece regido pelo Título II do Livro II do Código de Processo Civil, aplicando-se apenas subsidiariamente essas disposições à execução fundada em título judicial (art. 475-R, com redação dada pela Lei n.º 11.232). Fique claro, portanto, que todas as colocações que serão agora expostas concernem tão-somente às execuções fundadas em título executivo judicial.

A execução, como cediço, é o momento da tutela jurisdicional na qual a parte credora pede ao Estado-juiz que concretize o cumprimento de uma prestação inadimplida pelo devedor, reconhecida em sentença judicial ou em outro documento que a lei atribua essa prerrogativa, através de atos coercitivos que importem em expropriação do patrimônio ou na imposição específica da obrigação inadimplida. Nas exatas palavras de Leonardo Greco "pode-se definir a execução como a modalidade de tutela jurisdicional consistente na prática pelo juiz ou sob o seu controle de uma série de atos coativos concretos sobre o devedor e sobre o seu patrimônio, para, à custa dele e com ou sem o concurso da sua vontade, tornar efetivo o cumprimento da prestação por ele inadimplida, desde que previamente constituída na forma da lei" [10].

Inicialmente, cumpre esclarecer não ser toda demanda judicial que necessita da instauração de um procedimento executivo para o cumprimento da disposição constante na sentença judicial. Com efeito, algumas demandas carecem de um processo executório para se aperfeiçoarem. São os casos das ações de eficácia constitutiva e ações de eficácia meramente declatarória [11].

As ações de eficácia constitutiva implicam na criação, extinção ou modificação de relações jurídicas e o interesse dos demandantes se perfaz com a própria sentença, sendo desnecessária a instauração de novo processo para compelir o seu cumprimento. A sentença é bastante por si só para compor a relação jurídica objeto da ação, criando-a, modificando-a ou extinguindo-a. O mesmo ocorre com a ação de eficácia meramente declaratória, que tem por finalidade a "obtenção de uma declaração judicial acerca da existência ou inexistência de determinada relação jurídica ou a respeito da autenticidade ou falsidade de um documento" [12]. A simples declaração judicial esgota o objeto da ação e, por isso, dela não ressai nenhuma eficácia executiva, sendo igualmente desnecessária a instauração de um processo executório para o seu cumprimento [13].

A execução, em seu sentido processual, somente tem lugar nas ações de eficácia condenatória. Sem querer adentrar no longo debate sobre as ações de eficácia condenatória, um dos temas que mais suscitaram controvérsias no direito processual, podemos taxativamente conceituá-las como aquelas aptas a produzir uma sentença com eficácia predominantemente condenatória. Diz-se "predominantemente condenatória" porque mesmo as ações constitutivas e declaratórias contém uma parcela de condenação, como, por exemplo, a obrigação do sucumbente pagar custas e honorários advocatícios.

Sentença predominantemente condenatória é "aquela que impõe ao réu o cumprimento de uma prestação (de dar, fazer ou não fazer), correspondendo a este conteúdo o efeito de permitir a execução forçada do comando contido na decisão" [14] ou, como prefere Eduardo Couture, "sentenças condenatórias são todas as que impõem o cumprimento de uma prestação, seja em sentido positivo (dar, fazer), seja em sentido negativo (não fazer, abster-se)" [15].

Trocando em miúdos, as ações de eficácia condenatória são aquelas que impõem à parte sucumbente uma obrigação definida em sentença judicial, seja de dar, fazer, não-fazer ou entregar coisa, cujo cumprimento ficava condicionado a instauração de um novo processo para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional: o processo de execução forçada. Deste modo, pode-se afirmar que o processo de execução de título judicial é uma modalidade de tutela jurisdicional proveniente de uma ação de eficácia condenatória. Até mesmo os demais títulos judiciais que a lei atribui eficácia executiva, apesar de não configurarem propriamente ações condenatórias, igualmente constituem obrigações assumidas pelas partes ou reconhecidas em outra instância (judicial ou arbitral) que, inadimplidas, geram a necessidade da instauração de um processo para o seu cumprimento.

Como se pode notar, a finalidade do processo de execução não é outra senão efetivar coercitivamente o cumprimento de uma obrigação inadimplida, positiva ou negativa, assumida pelas partes ou determinada por um terceiro (juiz ou árbitro). Por isso, a execução faz-se necessária em ações de eficácia condenatória, e não nas ações constitutivas ou meramente declaratórias.

Nesse sentido, toda a construção legislativa e doutrinária, anterior a Lei n.º 11.232, enxergava o processo de execução como sendo desvinculado e autônomo ao processo de conhecimento [16]. Isto significa dizer que, nas ações condenatórias, primeiro se verificava a existência do direito material alegado (a res in iudicium deducta), para, após a solução do litígio, instaurar-se um novo processo com a finalidade de cumprir aquilo que havia sido determinado na sentença.

Transcreva-se, por oportuno, lição de Humberto Theodoro Junior para quem "cognição e execução, em seu conjunto, formam a estrutura global do processo civil, como instrumento de pacificação dos litígios. Ambas se manifestam como formas de jurisdição contenciosa, mas não se confundem numa unidade, já que os campos de atuação de uma e outra se diversificam profundamente: o processo de cognição busca a solução, enquanto o de execução vai em rumo à realização das pretensões. Daí afirmar-se que a execução forçada não pode ser tratada como parte integrante do processo em sentido estrito, nem sequer como uma conseqüência necessária dele" [17].

A autonomia do processo de execução, tal qual propagada por Liebman [18], era vislumbrada pela própria legislação processual ao determinar, entre outras disposições, que este somente se iniciaria por iniciativa das partes, credora ou devedora (art. 570, CPC), sendo necessária a realização de uma nova citação (art. 652, CPC). Após a citação, era facultado à parte devedora, em resposta a este novo processo, opor embargos à execução (ação autônoma, desconstitutiva e incidental), suspendendo a execução (art. 739, §1º, CPC) e convertendo-a em um novo processo cognitivo.

Fácil constatar que a execução, como atividade satisfativa da tutela jurisdicional, era obstada logo em seu início com o oferecimento de embargos e a sua conversão em um novo processo de conhecimento - limitado, é bem verdade, mas ainda assim, suficiente para frustar as expectativas imediatas do demandante.

Por esta razão, a autonomia do processo de execução conhecia as suas exceções desde os idos de 1973, em sentenças auto-executáveis, como, por exemplo, as ações possessórias, onde, não obstante serem ações condenatórias, o comando judicial proveniente do processo cognitivo, externado em mandados, era bastante por si só para satisfazer a pretensão deduzida, sendo desnecessária a instauração de novo processo.

A exceção passou gradativamente a tornar-se a regra. Como a divisão entre processo cognitivo e processo executivo ocasionava um enorme obstáculo à efetividade da prestação jurisdicional, pois remetia a uma nova atividade cognitiva do juiz, o legislador reformador passou a transformar o processo de execução em uma fase processual iniciada a partir da prolação da sentença judicial [19] (transitada em julgado ou pendente de recurso recebido somente no efeito devolutivo) e retirar-lhe a sua autonomia. Vale dizer, não haveria mais distinção entre processo de conhecimento e processo executivo, sendo um conseqüência direta e imediata do outro.

Foi o que aconteceu com as ações condenatórias cuja pretensão eram obrigações de fazer, não-fazer (art. 461, CPC) ou entregar coisa (art. 461-A, CPC). As leis n.º 8.952/94 e 10.444/02 alteraram substancialmente o procedimento para a execução da sentença prolatada, tornando suficiente a simples expedição de mandado judicial para tornar definitiva a prestação jurisdicional. Houve também uma grande preocupação do legislador para que o cumprimento da obrigação correspondesse exatamente aquilo que havia sido demandado, permitindo ao juiz determinar a aplicação de multa, remoção de pessoas e coisas, busca e apreensão, impedimento de atividade nociva, de modo a compelir o devedor a adimplir a exata obrigação que havia sido estipulada.

Desde 2002, portanto, nas ações que tenham por objeto obrigações fundadas em título judicial, de fazer, não-fazer ou entregar coisa, não há que se falar em divisão entre processo de conhecimento e processo de execução e muito menos em autonomia deste último, devendo a tutela jurisdicional executiva ser considerada como uma fase do processo, assim como a fase cognitiva [20]. O processo é unitário e compreende todas as fases processuais.

Aliás, já é hora de nos rendermos de vez à idéia de unitariedade do processo, compreendendo-o como o instrumento pelo qual o Estado exerce a sua função jurisdicional, satisfazendo os interesses demandados, velando pela aplicação do direito objetivo e pacificando as relações sociais.

E se já se viu que a jurisdição só é completa com a entrega do bem jurídico a quem de direito, função primordial e exclusiva do processo executivo, o processo concretizará o seu objetivo após a consecução de todos os atos executivos tendentes a satisfazer o direito do demandante. Logo, enquanto a prestação jurisdicional não for efetivada, não é possível dizer que o processo se exauriu. É, na realidade, um grande equívoco pensar que alguém vá a juízo aduzindo uma pretensão de cunho obrigacional e se contente com a simples declaração verificadora da existência do seu direito. O que realmente almeja o demandante é ver concretizada a sua pretensão. Enquanto houver tutela jurisdicional a ser prestada, haverá processo a ser desenvolvido.

A última barreira a ser quebrada para fulminar de vez com a dualidade existente entre processo cognitivo e executivo eram as obrigações por quantia certa (obrigações pecuniárias), cujo procedimento ainda se pautava pela tradicional divisão processual, com a necessária instauração de um processo executivo autônomo para a obtenção do direito creditório devido.

E é nesse ponto que jaz a principal mudança ocorrida com a Lei n.º 11.232: tal qual nas obrigações de fazer ou entregar coisa, agora, até mesmo nas obrigações por quantia certa, torna-se desnecessária a instauração de um novo processo tendente a satisfazer a pretensão reconhecida. Portanto, o cumprimento da sentença judicial (ou outro título que a lei atribua a mesma eficácia), independente da obrigação nela estipulada, será sempre auto-executável. Em outras palavras, a partir de agora, todas as sentenças judiciais meritórias gozarão de eficácia executiva.

É fácil constatar que, com o advento da Lei n.º 11.232, a tese unitária do processo prevaleceu, pois somente se poderá cogitar de certa autonomia do processo de execução nos casos onde o título executivo judicial não é originário de uma sentença civil condenatória (ainda que homologatória), onde ainda se fará necessária a citação do executado (art. 475-N, parágrafo único) e, conseqüentemente, a instauração de um novo processo para o cumprimento de uma obrigação estipulada em outra jurisdição (sentença penal condenatória e sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça) ou em sentença arbitral.

A Lei n.º 11.232, portanto, veio consagrar a execução como sendo uma fase processual da ação cujo objeto seja uma prestação pecuniária, à semelhança do que a Lei n.º 10.444/02 já havia realizado em relação às obrigações de entregar coisa [21].

Vejamos as modificação legislativas que levam a essa inelutável constatação:

(i) alteração dos artigos 267 e 269, do Código de Processo Civil, que dispunham sobre as causas de extinção do processo, cujos novos textos estão assim dispostos:

"art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução do mérito:"

"art. 269. Haverá resolução do mérito".

Como se lê, com o advento da Lei n.º 11.232 somente estará configurada a extinção do processo quando o objeto da ação (mérito) não for analisado pelo juiz, em razão da uma das causas dispostas nos incisos do art. 267.

A modificação se explica pela nova sistemática da lei: como a sentença de mérito é a única apta a ser executada e, sendo a execução uma fase do processo, este somente se extinguirá ao final da prestação jurisdicional executiva. Relembre-se o que havíamos comentado sobre a unitariedade do processo: enquanto houver prestação jurisdicional a ser exercida, não há que se falar em exaurimento do processo. Logo, o processo somente será extinto ao final do cumprimento da sentença de mérito, quando a prestação jurisdicional estará completa.

Quanto ao artigo 267, permanece, entretanto, a impropriedade exposta em outra oportunidade [22], pois o processo efetivamente não é extinto com a prolação de uma sentença terminativa (sem julgamento do mérito), já que sobre ela pende a possibilidade de recurso, que também se caracteriza por ser um prolongamento processual. Deve-se, por isso, interpretar essa norma como incidente às sentenças lato senso, isto é, qualquer decisão judicial, de instância ordinária ou superior, cuja conseqüência fática seja pôr fim ao processo.

(ii) alteração do artigo 463 do Código de Processo Civil passando a ter a seguinte redação: "Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la".

Antes da Lei n.º 11.232, este dispositivo possuía outro texto, verbo ad verbum:

"Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la".

A redação do aludido artigo teve que ser modificada para atender à nova sistemática processual, porque, conforme exaustivamente visto, sendo a execução modalidade da jurisdição e uma fase do processo, o juiz não cumpre e acaba o seu ofício jurisdicional com a prolação de sentença de mérito, conforme dispunha o texto anterior. Com a nova lei, o juiz só cumpre o seu ofício jurisdicional quando efetiva o cumprimento da sentença de mérito prolatada, portanto, seria incongruente manter o enunciado normativo na sua forma original.

(iii) a sentença de mérito condenatória é auto-executável, sendo desnecessária uma nova citação dos devedores.

Perdendo o processo de execução a sua autonomia, ou seja, não constituindo uma nova relação processual diferente daquela inicialmente instaurada, não se faz mais necessário citar os devedores para o cumprimento da sentença.

A citação, como se sabe, é "a comunicação que se faz ao sujeito passivo da relação processual (réu ou interessado), de que em face dele foi ajuizada demanda ou procedimento de jurisdição voluntária, a fim de que possa, querendo, vir se defender ou manifestar" [23]. Sendo uno o processo, só haverá necessidade da realização de uma citação para cada réu, angularizando uma relação processual que só se extinguirá ao final da execução da sentença.

Veja-se o que dispõe o novo art. 475-J: "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação".

A única exegese possível do dispositivo denota que as sentenças de cunho pecuniário são auto-executáveis, devendo ser voluntariamente cumpridas no prazo máximo de 15 dias, sob pena de aplicação de multa no percentual de dez por cento. Caso o devedor não a cumpra espontaneamente, cabe ao credor iniciar o procedimento executório, nomeando bens a serem penhorados (art. 475-J, §3º). Expedido o mandado de penhora, dele será imediatamente intimado o executado, na pessoa de seu advogado, ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio (art. 475-J, §1º).

Perceba que a lei, em momento algum, fala da necessidade de citar o devedor para o cumprimento da sentença ou para responder a execução, bastando a sua intimação [24] para cumprir a finalidade de dar-lhe ciência do ato processual a ser praticado. A lei, aliás, concedeu ao juiz uma ampla possibilidade de efetivar essa intimação, permitindo, inclusive, que seja realizada na pessoa do advogado ou mesmo pelo correio, o que era vedado pelo artigo 222, d, do Código de Processo Civil. O curioso é que a Lei n.º 11.232 não revogou expressamente o citado dispositivo, porém, em razão do critério cronológico (lex posteriori derogat priori), é de se considerar que o artigo 222, d, do CPC foi revogado pela Lei n.º 11.232, ante a incompatibilidade de normas.

Permanece, entretanto, consoante o parágrafo único do artigo 475-N, a necessidade de citação do devedor nos casos dos incisos II, IV e VI, do artigo 475-N, respectivamente, em hipótese de execução de sentença penal condenatória transitada em julgado, sentença arbitral e sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. Conforme afirmado anteriormente, estes são os únicos casos, exceções, em que o legislador ainda concede autonomia ao processo de execução, em razão do título executivo judicial não derivar de uma decisão condenatória cível (ainda que homologatória), mas sim de uma decisão proferida em outra jurisdição (penal ou estrangeira) ou em sede de arbitragem. Nessas hipóteses, uma nova relação jurídica irá se formar e, conseqüentemente, far-se-á indispensável a citação dos devedores.

Concluindo este tópico, podemos afirmar que a Lei n.º 11.232 consagrou a execução da sentença condenatória como fase processual, ao invés do processo autônomo concebido outrora, dispensando nova citação dos devedores (salvo nas exceções do art. 475-N, parágrafo único), pois a função jurisdicional somente se aperfeiçoa, exaurindo o processo, com a efetiva entrega do bem jurídico a quem de direito.


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3. Impugnação, ao invés de embargos

O meio processual de defesa utilizado pelo devedor na execução eram os embargos à execução, cuja natureza jurídica é a de uma ação de cognição incidental, de caráter constitutivo [25], onde o devedor pretende a desconstituição da eficácia do título executivo que embasa a execução. Tratava-se, portanto, de uma ação autônoma, com requisitos específicos de admissibilidade (segurança do juízo, etc.) de rito ordinário e cognitivo e o seu efeito imediato era a suspensão da execução até o seu julgamento (art. 739, §1º, CPC).

Como se afirmou anteriormente, apesar de o credor encontrar-se em uma posição de superioridade no processo de execução, tendo a seu favor uma declaração judicial acerca da existência de seu direito creditório, a sua pretensão era de início frustrada pela oposição de embargos, o que postergava a efetiva entrega da prestação jurisdicional por mais alguns anos.

Com o advento da Lei n.º 11.232 não são mais cabíveis embargos à execução como meio de defesa na execução por título judicial, devendo ser apresentada, pelo devedor, impugnação fundada nas seguintes causas: (i) falta ou nulidade de citação; (ii) inexigibilidade do título; (iii) penhora incorreta ou avaliação errônea; (iv) ilegitimidade das partes; (v) excesso de execução; (vi) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença (art. 475-L).

Ao contrário dos embargos, a impugnação não se caracteriza por ser uma ação autônoma, incidental e desconstitutiva. Como a execução de sentença é apenas uma fase do processo, a impugnação oferecida terá a natureza jurídica de um incidente processual, resolvendo questão prejudicial a continuidade do próprio processo. Acolhido o incidente, o processo será extinto na fase de execução. Rejeitado, o processo prosseguirá até a efetiva entrega do bem jurídico.

Mutatis mutandi, a impugnação se assemelha à exceção de pré-executividade, comumente utilizada também como meio de defesa do executado, com a notória diferença de que na primeira é indispensável a garantia do juízo com a penhora de tantos bens quantos bastarem, enquanto a segunda visa justamente evitar a constrição judicial sobre os bens do executado, tendo em vista que o título executivo que consubstancia a execução é evidentemente nulo e inexigível. Aliás, com a nova sistemática da Lei n.º 11.232, que dota de auto exeqüibilidade a sentença meritória, entendemos dever ser reduzido e tolhido o uso da exceção de pré-executividade como meio de defesa nas execuções provenientes de sentenças condenatórias, restringindo o uso dessa espécie de defesa às execuções por título extrajudicial, execuções fiscais e, em menor intensidade, nas execuções por título judicial que não sejam sentenças condenatórias.

Também modificando o sistema anterior, a impugnação, em regra, não terá efeito suspensivo, podendo este, entretanto, ser atribuído pelo juiz desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação (art. 475-M). A lei, como se vê, proporcionou ao juiz os meios para proporcionar na execução uma prestação jurisdicional célere e objetiva, transformando em exceção a regra da suspensividade da defesa do executado. Somente em casos onde a ponderação dos interesses em conflito, numa análise casuística a ser realizada pelo juiz, denote que o prosseguimento da execução poderá ocasionar graves e desnecessários prejuízos ao executado, deve a execução ser suspensa.

Importante salientar que toda execução por quantia certa, invariavelmente, ocasionará prejuízo ao executado. Sendo o objetivo da execução expropriar do patrimônio alheio o montante necessário para o adimplemento da obrigação estipulada em sentença, qualquer ato judicial provocará um prejuízo ao executado - utilizada a palavra na sua acepção corrente [26]. Deve-se, não obstante, ouvir as palavras de São Tomás de Aquino para quem "o mal que se faz para punir não é mal; mal é aquele que se pratica com culpa". Dizendo de outra forma, o dano necessário a ser impingido ao executado, inerente a todo e qualquer procedimento executivo, não é suficiente per se para justificar a suspensão da execução; deve haver, isto sim, o perigo da ocorrência de um dano injustificado, desnecessário e irrazoável, se comparado à correspondente obrigação do executado, de modo a fazer incidir o comando legal.

Ainda que seja atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos (art. 475-M, §1º). Aqui a caução se faz com o mesmo propósito da execução provisória; os riscos pelo prosseguimento da execução correm exclusivamente às custas e expensas do exeqüente, que deverá reparar eventuais prejuízos ocasionados ao executado. Entretanto, se o exeqüente desejar correr esse risco e oferecer uma caução idônea, não há nenhum óbice que possa ser imposto pelo juiz para impedir o prosseguimento da execução. Trata-se, assim, de um direito subjetivo processual da parte exeqüente e a atuação do juiz, nesse caso, ficará limitada a idoneidade ou não da caução por ele oferecida.

Deferido o efeito suspensivo, a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos e, caso contrário, em autos apartados (art. 475-M, §2º). Não se confunda aqui a palavra autos com processo [27]. Só porque o indeferimento do efeito suspensivo gera a abertura de novos autos, não significa dizer que um novo processo será instaurado, nem que haverá aí uma nova relação processual. A abertura de novos autos nesse caso se justifica apenas para não atrapalhar os atos processuais a serem praticados na execução que não foi suspensa. Quer dizer, como a impugnação é um incidente processual, não sendo suspensa a execução, deverá ser autuada em apenso para não interferir no correto andamento da execução. Mas, apesar de estarem em autos apartados, execução e impugnação são partes do mesmo processo.

Conforme asseverado, se a impugnação for julgada procedente, haverá extinção do processo na fase de execução. Relembre-se que o processo é uno e somente será extinto quando não houver mais jurisdição a ser prestada. Essa decisão tem, portanto, a natureza jurídica de sentença e deverá ser impugnada através de apelação. Ao revés, a decisão que inadmite ou rejeita a impugnação, terá a natureza de decisão interlocutória porque não acarretará na extinção do processo e será impugnável por agravo de instrumento. Exatamente esses são os dizeres do §3º art. 475-M, ao dispor: "A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação".

Apesar da lei nada dispor nesse sentido, porém como corolário básico do princípio do contraditório (art. 5º, LV, CF), deverá o juiz abrir vista ao exeqüente para se manifestar sobre a impugnação oferecida. Entendemos que se o prazo para oferecimento da impugnação é de 15 dias (art. 475-J, §1º), o prazo de resposta igualmente deverá ser de 15 dias, em respeito ao princípio da isonomia que deve nortear o direito processual.

Em prol de um processo mais célere e objetivo, não deve o juiz transformar a impugnação em um novo processo de conhecimento, como costumava se proceder anteriormente com os embargos à execução, determinando audiências e deferindo a produção de provas requeridas pelas partes. Não sendo a impugnação uma ação autônoma, e sim um incidente processual, a sua cognição é sintética e restrita às hipóteses do artigo 475-L. Não que, em alguns casos, não se fará conveniente, ou mesmo necessária, a produção de certas provas (como, v.g, uma perícia contábil). O que se pretende evitar, contudo, é a conversão de um incidente processual em uma nova ação cognitiva, visto que o novo procedimento adotado pela Lei n.º 11.232 vislumbra a unitariedade do processo. E, se há um único processo, não há por que se retornar a fases procedimentais já anteriormente exauridas ou decididas. O processo, proveniente do latim procedere, é um constante "caminhar para frente", e não se deve reavivar atos praticados ou discussões decididas em seu curso, sob pena de se atentar contra a sua finalidade e impedir a sua tão esperada efetividade como instrumento de pacificação social.

Por fim, esclareça-se ter a legislação abolido apenas os embargos à execução como meio de defesa do executado, permanecendo íntegra a possibilidade de um terceiro, prejudicado pela constrição patrimonial efetivada na execução, opor embargos de terceiro (art. 1.046, CPC) para se defender.

....(Continua)

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