domingo, dezembro 09, 2007

Conciliar nem sempre é legal. É o que diz o artigo

Sistema perverso

Para juízes, sentença é mais vantajosa que conciliação

por Élcio Vicente da Silva

Reputo louvável a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça de instituir o "Movimento Conciliar é Legal" em uma semana do mês de dezembro. É um ato simbólico que já está produzindo frutos. Indago: como implementá-lo no cotidiano dos juízes, durante todo o ano?

Entendo que a iniciativa pode ser incrementada, especialmente com uma nova mentalidade a respeito da carreira (promoção ou remoção) e ascensão do juiz (desembargadores). "Conciliar é legal, mas não para o juiz". Abaixo vou explicar o porquê dessa afirmação.

O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 6, datada de 13 de setembro de 2005, que dispõe sobre a aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2º grau.

No seu artigo 4º, inciso I estabelece regras a serem seguidas pelos tribunais: "a valoração objetiva de desempenho, produtividade e presteza no exercício da jurisdição, para efeito de promoção por mérito".

E como esse assunto se conecta ao movimento pela conciliação?

Os tribunais baixaram normas próprias sobre a movimentação na carreira do juiz e acesso aos tribunais. Ocorre que basta uma olhada rápida nessas normas específicas para se perceber que há uma visão distorcida dos fatos. Nessas normas não se valoriza a conciliação, mas a atividade burocrática (despachar, decidir, sentenciar). Evidencia-se que o discurso é um (pró-conciliação) e a prática é bem diferente (quem concilia não é beneficiado funcionalmente por sua conduta).

O que se entende por "desempenho e produtividade" do juiz, para se aferir o merecimento? A quantidade e a qualidade de decisões e sentenças proferidas pelo magistrado. Concordando ou não com esse ponto de vista, é assim que os tribunais avaliam o juiz. Essa é uma visão errada da situação. Privilegia-se a manutenção do litígio. A meu ver e sei que serei criticado, se a idéia é engendrar meios de apaziguamento, que cada conciliação obtida pelo juiz (devidamente homologada) tenha igual peso de uma sentença de mérito (com pedido contestado), seja na Vara Cível ou Juizado Especial.

A produtividade e o desempenho não devem ser restringidos ao trabalho intelectual do juiz na sentença ou decisão. Exige-se do juiz mais do que conhecimento técnico-jurídico para se chegar a um acordo. Demanda a conciliação outros recursos: psicológicos, sociais, emocionais, de comunicação.

Se o acordo obtido no processo tivesse o mesmo valor que uma sentença na promoção/remoção/ascensão, certamente os juízes se sentiriam estimulados a buscar essa forma de solução de litígios. A partir desse instante, todo julgador necessariamente buscaria a mediação e a conciliação, já que essas circunstâncias lhe favoreceriam na carreira.

Hoje, uma parte dos juízes "pula" a fase da audiência preliminar (conciliação e saneamento) do processo civil para que os autos cheguem logo para sentença e isso conte para sua estatística, "sem esquecer que essas audiências tomam muito tempo". É visto como juiz prestativo aquele que julga antecipadamente. Nem sempre é verdade. Na prática, conta mais "uma sentença de mérito-contestada" do que uma conciliação. É a lógica perversa do sistema, embora das duas formas se chegue ao mesmo resultado (fim do litígio).

Como trabalho na Vara do Juizado Especial Cível, posso afiançar que nenhuma sentença de mérito (com relatório, motivação e dispositivo) é feita mais rapidamente do que uma conciliação (cerca de quinze minutos a meia hora, por exemplo). E a satisfação das partes de haver participado da construção de uma solução? "O mau acordo é melhor do que uma boa demanda"? A imposição de uma vontade, a do juiz, nem sempre restabelece a paz entre as partes. Por que não conciliar, então?

Acompanhe o raciocínio: se o juiz se dedica à conciliação, contraditoriamente, não pode, objetivamente, ser bem avaliado para remoção ou promoção. Permanece a visão litigiosa do processo, recompensando quem decide e sentencia mais e não quem busca apaziguar as partes, pela conciliação.

Não é impossível ouvir de desembargadores que os juízes dos Juizados Especiais Cíveis não trabalham (despacham ou decidem pouco) porque a maioria de seus processos tem índice de conciliação excepcional, acima da média para qualquer vara da Justiça comum. Já chegou ao meu conhecimento que se um juiz do Juizado concorrer com um juiz de Vara comum, pelo critério de merecimento, este último quase sempre seria promovido/removido, devido à sua produção (burocrática!).

Urge que o Conselho Nacional de Justiça providenciasse junto aos tribunais mudança na forma de avaliação da promoção/remoção/ascensão, para inserir como ponto necessário e valioso a concretização de conciliações como um dos critérios de aferimento de merecimento. Que nas estatísticas dos tribunais a conciliação obtida seja item específico para a valoração do desempenho e produtividade do juiz, em igualdade de condições com a atividade burocrática (sentenciar).

Por intermédio desta medida simples, mas necessária, o movimentação da conciliação se expandiria. Em cada dia de expediente, durante o ano inteiro, o juiz, silenciosa e anonimamente, não mediria esforços para a conciliação. E isso interessa a todos nós.

Revista Consultor Jurídico, 8 de dezembro de 2007

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