terça-feira, agosto 05, 2008

Direito do Advogado - Inviolabilidade do Escritório

Proteção geral

A liberdade do advogado é garantia inalienável do cidadão

por Iberê Bandeira de Mello

Sou mais um cidadão brasileiro indignado com o resultado do processo legislativo federal vigente. Eis que, de repente, insurgem-se alguns contra a atualização das normas de garantias individuais previstas na advocacia do mundo inteiro.

No direito anglo saxão, como toda gente sabe, o advogado é considerado como um justice officer, ou seja, um funcionário da justiça do mesmo gabarito que juízes e promotores, portanto sem regalias. Não é à toa que no cinema americano, o advogado que “pisa na bola” ou ofende uma autoridade é preso por cinco, dez dias. Da mesma maneira, o advogado pode também prender o juiz que comete erros.

No entanto, seu escritório jamais será devassado no que diz respeito aos direitos dos cidadãos por eles defendidos. A liberdade do advogado, até mesmo entre árabes nômades, é considerada garantia inalienável do cidadão contra o Estado todo poderoso, aparatado por suas polícias, promotorias e judicatura. Essas instituições escrutinam a vida do cidadão que conta apenas como única possibilidade de defesa, a presença solitária do seu advogado.

Entendo que a questão crucial da advocacia é a chamada “linha branca”, o do limite da legalidade que, uma vez ultrapassado, transforma o advogado em criminoso, portanto, sujeito a ser punido como qualquer infrator.

Não me resta menor dúvida de que a advocacia seja uma das profissões mais antigas da humanidade, que vem dos tempos bíblicos.

Imagine-se Deus, que tudo pode, ao criar o homem e a mulher, estabeleceu normas simples de convívio e uma única restrição: não comer da fruta proibida. Mas eles não obedeceram: abocanharam a maçã.

Irado, Deus quis exterminar aquela raça insubordinada, incapaz de suportar a mínima proibição. Foi então que, no começo da vida do universo, alguém ou algo apelou ao Senhor: “Não mate, expulse". Esse foi o primeiro advogado.

A habilidade de acomodar algodão entre cristais ilustra o ofício do advogado que, além de trabalhar sob a lupa do poder do Estado, deve atender a permanente expectativa do seu cliente, calcada em suas dores e incertezas.

Por isso, o advogado tem de ser protegido da arbitrariedade. Mas não é o que não vem acontecendo, uma vez que determinados juízes, promotores e delegados de polícia excedem sua autoridade para transformarem-se em inquisidores dos advogados, especialmente os que trabalham pelos humildes, contrariando o que foi milenarmente construído pelo processo civilizatório.

Esse quadro perverso tem um defeito de origem. Os inquisidores da boa advocacia não conhecem os riscos materiais e morais do nosso ofício pois, uma vez aprovados nos concursos, não sofrem escrutínio algum, não passam por exames de qualquer natureza ao longo da carreira. Tornam-se agentes intocáveis e com uma margem oceânica de abuso contra o cidadão. A linha branca não existe para essa casta, mas sim para os advogados lutadores, capazes e decentes.

Nos anos 80, em plena ditadura militar, os advogados Idibal Piveta, Paulo Gerab, Airton Soares, Luiz Eduardo Greenhalgh e este que vos fala, foram chamados para defender os diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, injustamente perseguidos pelos sequazes do então 2º Exército, comandado pelo conhecido linha dura general Milton Tavares, cujo nome hoje é homenageado numa ponte sobre o Rio Tietê.

Embora jovens, tivemos a lucidez de, numa reunião feita no escritório de Airton, Idibal e Luiz Eduardo, chamar para participar da defesa o grande Heleno Fragoso e Sepúlveda Pertence. Experientes, eles ofereceram a solução do não comparecimento a uma audiência marcada para dali a dois dias, porque ela prejudicaria a defesa que mal tinha tido a oportunidade de compulsar os autos do processo, portanto, impossibilitada de apresentar as melhores razões. Isso foi possível simplesmente porque o escritório de advocacia era inviolável e puderam decidir os mais experientes que não fôssemos a essa audiência.

Não fosse o direito a essa inviolabilidade, o caso não ganharia a repercussão internacional e talvez hoje não tivéssemos o presidente da República que temos.

Assim o caso aconteceu. Assim conto eu.

Revista Consultor Jurídico, 5 de agosto de 2008

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