segunda-feira, agosto 11, 2008

A Questão da Repercussão Geral

Segurança jurídica

Repercussão Geral não deve servir só como filtragem

por Alexandre Bittencourt Amui de Oliveira

Idealizara o constituinte reservar ao Supremo Tribunal Federal o papel de zelar e guardar a Constituição Federal. Todavia, o modelo jurídico com que se definia a competência original e recursal exibia, objetivamente, que o desiderato de preservar o STF redundara em extremado fracasso, pois, em raros os casos, os constituintes entendiam o real significado da Carta Magna.

O STF, como corte de custódia da Constituição Federal, haveria de enfrentar uma gama de dispositivos, sem qualquer tipo de nexo e sem atender aos requisitos necessários da Corte Suprema, o que fez abarrotar o último e respeitado grau de jurisdição.

Somente técnicas de admissibilidade recursal com extremado rigor analítico e grau de dificuldade se mostrariam capazes de evitar que o STF se inviabilizasse com irreversíveis problemas, pois, o que se observa, são recursos sendo julgados com meses de atraso prejudicando cada vez mais a celeridade processual, princípio constitucional violado pelo próprio órgão guardião da Constituição.

O desvio de finalidade e o abarrotamento de processo para serem julgados pelo STF estavam evidenciados, perspectiva que exigia a construção de opções que resistissem ao grande número de Recursos que discutiam matéria constitucional.

Enrijeceu-se o controle de admissibilidade do recurso extraordinário pela via legislativa – Súmula Vinculante – e pela via jurisdicional – súmulas que restringem o cabimento:

a) inviabilidade do reexame da prova, por força da imodificabilidade da herança da moldura fática (Súmula 279);

b) escassez na exploração de todos os fundamentos em que se baseou a decisão atacada (Súmula 283);

c) ausência de prequestionamento sobre matéria constitucional que deveria ter sido enfrentada, à falta de embargos declaratórios (Súmulas 282 e 356);

d) impropriedade do reexame do princípio constitucional da legalidade quando for necessário vasculhar a interpretação dada a normas infraconstitucionais (Súmula 636).

A combinação de medidas constitucionais e jurisdicionais produziu resultados ainda insatisfatórios para que o STF pudesse cumprir eficientemente o papel de corte constitucional, sem as impropriedades de instância recursal a que vem se prestando, com claro abuso, as pessoas jurídicas de direito público interno que atuam com a compreensão de que o princípio do interesse público se confunde com comportamento procrastinatório na satisfação das obrigações legais.

Neste ínterim, introduziu-se na Constituição Federal o instituto da Repercussão Geral (artigo102, parágrafo 3º, EC 45/2004), mais uma ferramenta com o propósito de articular um sistema filtrando o acesso ao STF pela via do recurso extraordinário.

Considera-se Repercussão Geral o fato jurídico em que se entranha a autoridade o qual se credencia a provocar o exercício da jurisdição definitiva pelo STF, no intuito de pacificar o conflito no qual o tema central repousa questão relevante de ordem econômica, política, social ou jurídica, ainda carente de equação, que importa à afirmação de princípio ou preceito constitucional.

Na identificação da Repercussão Geral, pouco importa a quantidade do conflito e a quantidade dos litigantes, haja vista que se exprime à qualidade da questão inserida na controvérsia cuja solução se permita informalizar a leitura que se incorpora à existência dos direitos e deveres constitucionais que se confundem com as situações ideológicas de ordem econômica, política, social ou jurídica, porque interessa ao Estado e à sociedade como elemento de grandeza valorativa do tema explorado no recurso extraordinário.

Cuida-se da derradeira oportunidade confiada ao próprio poder judiciário para preservar um valor jurídico-constitucional que tenha conteúdo de ordem econômica, política, social ou jurídica, com mais força em sua projeção do que o efeito prático que surte por interesse da solução do caso concreto.

Na preparação da Repercussão Geral, pressuposto a ser explorado e demonstrado na iniciação do recurso extraordinário, usa-se a subjetividade dos agentes apenas para emprestar objetividade à tradução da vontade constitucional, com efetividade jurídica, porquanto a expressão jurisdicional do STF se subordina ao do poder normativo impróprio.

A Repercussão Geral se confunde e se apresenta nas causas em que se discute a preservação dos valores e dispositivos constitucionais que, na verdade, substanciam os pressupostos de que necessitam os sujeitos de direito para observar o roteiro da segurança jurídica, como técnica de revelação da vontade da Constituição Federal, extraída no processo sob a influência da jurisdição do STF.

Os efeitos concretos podem se resumir ao patrimônio material ou moral de um sujeito de direito, onde certamente o resultado de uma decisão baseada no seio da repercussão geral se dissemina mais do que no campo que demarca a atuação jurisdicional do STF, pois prospecta a definição impositiva em que o Estado exerce a sua soberania.

Noutro aspecto, verifica-se que o juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário na questão da repercussão geral corre o grande risco de que as disposições constitucionais percam as garantias de segurança jurídica de que a Constituição sustenta à população no Estado democrático de direito.

O único critério tecnicamente objetivo na caracterização da Repercussão Geral, como condição de admissibilidade do recurso extraordinário, se concentra na confirmação de que a decisão impugnada e submetida ao STF tenha contrariado súmula ou jurisprudência dominante na corte.

O modelo normativo para a Repercussão Geral estimula o entendimento de que em nome do combate à crise de asfixia o qual passa o STF, à qual se junta à descaracterização de sua aplicação institucional, o dever de observância e cumprimento de regra constitucional será relativizado segundo o juízo que desenvolva valoração da questão relevante sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico.

Haverá a seleção de caso concreto, de ordem pública ou privada, em cuja solução se identifica a Repercussão Geral, por força da relevância da questão ventilada sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico, com manifesto prejuízo à valência de regra constitucional desafiada em dissídio jurisdicional, quando o STF recusar o recurso pela pronúncia de dois terços de seus membros (artigo 102, parágrafo 3º, CF, Emenda Constitucional 45/2004).

O instituto da Repercussão Geral não deve ser manejado apenas como instrumento de filtragem para conter os excessos recursais que comprometem a fundamental função do STF, sob pena de atuar mediante tratamento discricionário ou discriminatório, conforme a inclusão ou exclusão do direito à tutela máxima, principalmente quando o direito almejado, objeto da resistência tiver assento na Constituição Federal, ainda que duvidosa sua categoria constitucional.

O jurisdicionado não pode ser punido por uma Constituição falha e prolixa, todavia para atender à celeridade processual e para melhor julgar ações de relevante interesse social, a repercussão geral vem a tentar desesperadamente desafogar o órgão supremo para que, assim, possa ser aplicado às causas que realmente configuram confronto constitucional melhor julgamento e criação de súmulas melhor trabalhadas, para que futuramente somente chegue ao último grau de jurisdição recursos com fundamento definitivamente discutível.

A sociedade brasileira litiga pelo estímulo da impunidade porque tem a cognição da deficiência institucional do sistema jurídico; o estado, porque há muito perdeu a referência de seu papel institucional, com o agravante de que é o ente que mais lesa o patrimônio das pessoas, ao tempo em que mais ocupa os corredores da impunidade forense, sem que se disponha, na condição de detentor da tríplice função (legislar, administrar e julgar), a dar o exemplo de sua capacidade de reconciliar-se com a legalidade, mediante um simples sistema de pronta reparação dos prejuízos que venha a causar.

O excesso de demandas, na verdade, decorre dos valores éticos e morais que a sociedade manifesta, os quais emergenciam os conflitos jurídicos mal resolvidos no plano da consciência, que ministra o grau de responsabilidade que cada pessoa revela como disposição para superar os dissídios que surgem do conflito de interesses.

Portanto, um ministro do STF não deve julgar apenas o que queira mas o que deve, segundo a Constituição Federal. No entanto, não sendo mais discutível as ações por não terem a tão citada Repercussão Geral, e mesmo assim cria-se discórdia jurisdicional até mesmo pelo guardião da Constituição, esta não merece outra chance para tentar desafogar desesperadamente o Supremo desguarnecendo de segurança jurídica à população o qual a esta se submete, e sim tratar de forma radical criando um novo processo constitucionalista melhor elaborado para os tempos atuais, que desde 1988 sofreram inúmeras mudanças tanto sociais quanto culturais.

Revista Consultor Jurídico, 11 de agosto de 2008

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