sexta-feira, abril 25, 2008

Advogado Criminalista

Bela carreira

Criminalista não deve ser confundido com o seu cliente

por Roberto Delmanto

Voltaire considerava a advocacia “a mais bela carreira humana” (“Lê plus bel état du monde”). Parodiando o grande filósofo francês, eu diria que a advocacia criminal é a mais bela especialidade da mais bela carreira humana, porque ela cuida dos dois mais importantes bens que um ser humano pode ter, além da própria vida e saúde: a liberdade e a honra.

Sobre a primeira, disse o tribuno paulista Américo Marco Antonio que “a liberdade, esse bem supremo, tudo merece, tudo desculpa”; e sobre a segunda, escreveu Shakespeare que “o nome é a primeira jóia do coração do homem”.

Mas o advogado criminalista é em geral mal compreendido, confundindo-se sua pessoa com a do cliente que defende, só sendo verdadeiramente entendido por quem dele vem a precisar. Não forma com o decorrer dos anos, como os civilistas, uma clientela, e seus ex-clientes, ainda que absolvidos, via de regra, não gostam de reencontrá-lo peã lembrança do que sofreram.

Discorrendo sobre esse paradoxo — a beleza da advocacia criminal e a incompreensão quanto ao seu exercício — afirmou certa vez, com rara felicidade, o saudoso criminalista carioca Antonio Evaristo de Moraes Filho: “Temos o dever de prosseguir na batalha em defesa de nosso mais importante cliente: a liberdade individual. Sabemos que no desempenho desta missão, quer nos regimes totalitários, quer nas democracias, os espinhos sangrarão nossos pés durante a caminhada. Nas ditaduras descerá sobre nós o ódio dos senhores do poder, por defendermos os ‘inimigos da pátria’. No Estado de Direito Democrático, por ampararmos os odiados, acabaremos por partilhar com nossos clientes o opróbrio da opinião pública. De qualquer forma, não devemos desanimar, mesmo porque a história tem sido generosa conosco”.

Para os jovens advogados que, apesar dessas dificuldades e incompreensões, desejarem seguir a advocacia criminal, eu diria que só a sigam se tiverem realmente vocação, muita compaixão pelo ser humano e um grande amor à liberdade.

E repetiria o decálogo que fiz para eles há algum tempo: tenham consciência de que escolheram a mais bela das especialidades da advocacia; orgulhem-se dela e a exerçam com dignidade, não compactuando jamais com violência ou a corrupção; advoguem com alegria, lembrando-se de que seu verdadeiro cliente e, ao mesmo tempo, sua maior causa, é a liberdade; ao decidir se aceitam patrocinar uma defesa, preocupem-se menos em saber se o cliente é inocente do que se sua consciência de advogado e ser humano permite defendê-lo; ao serem procurados para atuar como assistente do Ministério Público ou querelante, busquem certificar-se de que a pessoa que vão acusar é realmente culpada; não transformem cada defesa ou acusação em uma verdadeira guerra, onde tudo é permitido; façam valer suas prerrogativas profissionais; não se preocupem com o sucesso dos colegas, mas apenas com suas próprias causas e seus próprios clientes; dediquem-se a fundo às causas que lhes forem confiadas e procurem produzir a melhor prova possível em favor de suas teses; escolham, entre os colegas mais velhos, um que lhes sirva de modelo e inspiração.

Dediquem-se a fundo às causas que lhes forem confiadas e procurem produzir a melhor prova possível em favor de suas tarefas

As prerrogativas profissionais do advogado são invioláveis, pois, como disse o eminente criminalista José Roberto Batochio, ex-presidente nacional da Ordem, “o destinatário da franquia da inviolabilidade profissional é o cidadão, titular dos direitos patrocinados, não o advogado, mero intermediário”.

Embora suas prerrogativas profissionais sejam invioláveis, o advogado, e principalmente o criminalista, há de ser o primeiro a respeitar as leis e a ética. Como adverte Maurice Garçon, ele deve ser “árbitro do seu comportamento, o que o obriga a tornar-se particularmente escrupuloso. Deve conservar-se severo para consigo mesmo, a fim de manter a independência, que é o apanágio da profissão”.

Um dilema, que por vezes atinge jovens criminalistas, é saber se é justo, moral e ético defender clientes culpados. Há aqueles que se confessam culpados aos advogados que procuram; há os que se dizem inocentes e neles acreditamos, ou não acreditamos, ou, ainda, ficamos em dúvida.

A meu ver, o criminalista só deve aceitar defender um cliente — não importa seja ele culpado ou haja dúvidas a respeito — se sua própria consciência puder entender os motivos da conduta encontrar uma justificativa psicológica, social, humana, enfim, para ela, ou até perdoá-la. A partir dessa compreensão poderá, sem remorsos ou questionamentos, assumir a causa e bem patrociná-la, tendo como limite ético intransponível não prejudicar terceiros inocentes.

Carnelutti, em seu imperdível livro As misérias do Processo Penal, conta que, tendo se dedicado sempre ao processo civil, só bem mais tarde percebeu que o processo penal corria em sua vida como um rio subterrâneo que demorou a aflorar. E, ao passar a advogar na área criminal, foi nomeado por um juiz defensor de dois irmãos acusados de um brutal duplo homicídio. Um deles tinha passado impecável; já o outro contava com diversos crimes em sua existência. Pois foi justamente este que lhe pediu: “Mestre, jogue toda a culpa em mim, porque meu irmão tem família”. Foi ai que Carnelutti descobriu, naquela alma de delinqüente, algo de bom, uma pequena chama de bondade, encontrando alento para defender a difícil causa para a qual fora nomeado.

A gravidade da acusação, o seu repúdio pela mídia e pela sociedade não deve impedir o criminalista de assumir a defesa se a sua consciência o permitir. Como escreveu Rui Barbosa, o maior de todos os advogados, “quando e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que à primeira”.

Na defesa de uma causa, sobretudo naquelas mais difíceis ou impopulares, o criminalista, como afirmou o grande advogado Sobral Pinto, precisa muitas vezes “ser veemente, apaixonado, causticante”. E assim o mestre Sobral, entrando para a história da advocacia, ao invocar em favor de seu cliente Luiz Carlos Prestes, líder da intentona comunista preso e torturado durante a ditadura getulista, depois de recusados todos os seus pleitos e recursos, a Lei de Proteção aos Animais.

Por isso mesmo, como diz Rafael de Almeida Magalhães, “o advogado precisa da mais ampla liberdade de expressão para bem desempenhar o seu mandato. Os excessos de linguagem que porventura cometa na paixão do detalhe, lhe devem ser relevados”.

Mas quem melhor sintetizou a beleza da advocacia criminal e a imprescindibilidade da atuação do criminalista, foi o notável presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ribeiro da Costa, corajoso defensor da democracia durante a ditadura militar, que, em histórico acórdão, escreveu: “Só uma luz nesta sombra, nesta treva, brilha intensa no seio dos autos. É sua voz da defesa, a palavra candente do advogado, a sua lógica, a sua dedicação, o seu cabedal de estudo, de análise e de dialética. Onde for ausente a sua palavra, não haverá justiça, nem lei, nem liberdade, nem honra, nem vida”.

Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2008

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quinta-feira, abril 24, 2008

Apelação - Desnecessidade de prévio recolhimento à prisão

Direito de defesa

STJ aprova nova súmula sobre apelação de réu foragido

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou, na quarta-feira (23/4), a Súmula 347 sobre apelação de réu foragido. A súmula traz a seguinte redação: “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”. A nova súmula consolida o entendimento já adotado pelas 5ª e 6ª Turmas, que compõem a 3ª Seção.

Segundo o artigo 595 do Código de Processo Penal, se o réu fugir depois de apelar da condenação, será declarada a desistência da apelação. Para recorrer, ele precisaria estar preso. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, decidiu que esse artigo viola as garantias constitucionais da ampla defesa.

O entendimento do STF vem sendo adotado em diversos julgamentos no STJ. No Habeas Corpus 78.490, por exemplo, a 5ª Turma decidiu, por unanimidade, pela impossibilidade de se exigir o recolhimento do réu à prisão como requisito de admissibilidade do seu recurso de apelação.

Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2008

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quarta-feira, abril 23, 2008

Liberdade é a regra

Liberdade como regra

Caráter hediondo do crime não justifica prisão preventiva

Prisão preventiva não pode ter como base apenas o caráter hediondo do crime. O entendimento foi usado pelo ministro Nilson Naves para conceder liberdade a uma estudante presa em flagrante, em junho de 2007, com 87 latas de merla, um subproduto da cocaína. A decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça foi por maioria e seguiu o voto do relator.

O ministro Nilson Naves considerou que a determinação da prisão da primeira instância e a decisão que a manteve, da segunda instância, não estavam devidamente fundamentadas. De acordo com o processo, a primeira instância condenou a estudante a cinco anos de reclusão em regime fechado, sem possibilidade de apelar em liberdade.

A consideração foi a de que Lei 8.072/90 trouxe mais rigor aos crimes considerados hediondos, como o tráfico de drogas. O argumento da primeira instância foi de que o princípio da presunção de inocência é relativo. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que viu impedimento na liberdade provisória da estudante devido à quantidade de droga que ela transportava.

O entendimento de Nilson Naves, no entanto, foi diferente. Para ele, a quantidade da droga não é impedimento para que se apele em liberdade. “Se o indeferimento da liberdade provisória está apoiado apenas no caráter hediondo do crime, tal aspecto é insuficiente para justificar, a contento, a manutenção de medida de índole excepcional”, afirmou.

O ministro considerou, ainda, as alegações da defesa de que a estudante é primária, tem bons antecedentes, residência fixa no Distrito Federal e cursa o 3º ano do colegial.

HC 94.114

Revista Consultor Jurídico, 22 de abril de 2008

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quarta-feira, abril 16, 2008

Necessidade de Fundamentação

Fundamentação falha

Decreto de prisão deve individualizar participação do réu

Se o juiz não individualiza participação do réu no crime, o decreto de prisão é falho na fundamentação. Este foi apenas um dos argumentos usados pelo ministro Cezar Peluso para convencer a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal a garantir a liberdade de Leonardo de Paula Fernandes da Silva. O jovem é acusado de fazer parte de um grupo especializado no tráfico internacional de Ecstasy e LSD e estava preso desde dezembro de 2006.

Por votação unânime, a 2ª Turma deferiu o seu pedido de Habeas Corpus para revogar a ordem de prisão. O decreto partiu da 8ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que o condenou à pena de oito anos de reclusão, em regime inicial fechado, pelo crime de tráfico de drogas. Fernandes da Silva vai ficar em liberdade até o julgamento do recurso apresentado contra a sua condenação. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região e o Superior Tribunal de Justiça já haviam negado o pedido.

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ressaltou o ministro Cezar Peluso, ao recorrer ao artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Para o relator, o decreto de prisão não está suficientemente fundamentado para justificar a restrição da liberdade antes da condenação transitar em julgado.

Segundo o ministro, apesar de ser viciado em drogas, o jovem é réu primário, com residência e ocupação fixas (é estudante). Ele lembrou que em momento algum o juiz individualizou a participação dele no crime de que é acusado, juntamente com outros 12 jovens de classe média do Rio de Janeiro.

No decreto de prisão, contou Peluso, o juiz citou o fato de o réu e outros jovens acusados serem de classe média como argumento para manter a sua prisão. O juiz alegou que este seria um fator que aumentaria a possibilidade de fuga dos acusados. Também alegou que os acusados constantemente mudavam de endereço e telefone para evadir-se do alcance da Justiça.

Cezar Peluso rechaçou esses argumentos, taxando-os de genéricos e contra-argumentando que o jovem não mudou de endereço e continua residindo na casa de seus pais, na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Em sustentação oral na sessão da 2ª Turma do STF, o advogado de defesa afirmou que o jovem foi preso não porque tenha sido apanhado em operação policial, mas porque seu nome foi mencionado em conversa telefônica de dois jovens acusados de envolvimento na quadrilha de traficantes de entorpecentes, interceptada pela Polícia. E, embora seja apenas usuário, foi condenado por associação ao tráfico.

O advogado também alegou que o réu é estudante universitário e foi obrigado a interromper os estudos porque está preso desde dezembro de 2006.

HC 92.302

Revista Consultor Jurídico, 15 de abril de 2008

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segunda-feira, abril 14, 2008

Processo Eletrônico e o Papel do Juiz

Juiz-computador

Juiz já foi sacerdote e rei; agora, é escravo da máquina

por Antonio Pessoa Cardoso

A função de julgar originou-se com o nascimento da própria sociedade, pois onde existe o homem, sempre houve o choque de interesses, causando daí o litígio judicial que reclama solução.

A expressão consagrada pela Revolução Francesa de que o juiz seria a boca da lei já é ultrapassada. Assim, o juiz do passado se limitava a mecanicamente dizer a lei, imposta pelos outros poderes; o juiz era um autômato e não exercia o poder da criatividade. Abusou tanto desta situação que a sociedade demonstrou intolerância e buscou a alternativa da substituição do homem pela máquina. Na verdade, o Judiciário nunca soube planejar seu futuro, pois sempre se mostrou renitente às mudanças, esperando que todos, povo e governos, estariam prontos para defenderem seus interesses institucionais e suas necessidades funcionais.

O juiz já foi sacerdote, já foi rei; atualmente, para uns, é poder, para outros, é funcionário do Estado; no futuro o que será?

A tecnologia veio para beneficiar o cidadão em todos os segmentos e, no Judiciário, pode ajudar os juízes na missão de julgar. O espaço físico do juiz, como já acontece com algumas empresas privadas nos Estados Unidos, situar-se-á, muito brevemente, no laptop e seu trabalho será produzido em qualquer parte onde ele estiver, em casa, no hotel, ou em outra cidade.

O processo eletrônico não reclama a presença física do advogado ou do juiz; a petição recebe capa eletrônica, numeração e segue diretamente por meios eletrônicos para decisão do julgador; esteja em qualquer lugar, a internet modificará substancialmente o sistema convencional da atividade judicial.

O corre-corre do Judiciário para suplantar a extrema morosidade não mais acontecerá, porque o julgador não terá todo o tempo para cumprir as formalidades exageradas de um processo, que, ao invés de instrumento para efetivação da Justiça, tornou-se objetivo maior dos operadores do Direito.

Muito breve, os governos instalarão pontos nos diversos bairros das cidades para acesso do cidadão à internet, tal como se procede, atualmente, com os telefones públicos.

O homem fabrica, cria o que não existe e caminha para reproduzir o próprio homem. Se tudo isto já ocorre, maior a facilidade para exercer suas atividades como já se faz nos bancos, nas escolas, etc.; o carro, o avião alterou substancialmente os costumes do homem e promoveu facilidades nos deslocamentos; a máquina já substitui o homem em várias atividades.

É o que já começa a acontecer com o Judiciário!

O Judiciário em si continua em berço esplêndido sem saber seu passado, nem prever seu futuro. As mudanças aconteceram por ingerência direta da sociedade, mas grande parte dos juízes resistiram na aceitação de métodos modernos e alternativos em substituição aos meios convencionais e ultrapassados.

Mas o tempo mostrou que o processo pode movimentar-se sem a necessidade física do juiz ou mesmo do servidor, porque sistemas inteligentes já atuam em despachos padronizados, a exemplo, da remessa dos autos para cálculos, da determinação para manifestação das partes, do Ministério Público, admissão de recursos, etc.

A experiência do norte americano Douglas B. Lenart, responsável pela criação de um programa denominado Cyc. Lenart e outras experiências prestaram-se para a formação do juiz virtual nos dias atuais. Como se sabe, Douglas dizia que “se Cyc aprender todo o corpo de leis de um país, mais a jurisprudência (casos jurídicos anteriores) e, finalmente, alguns conceitos de moral, decência, dignidade, humanidade e bom senso, nada impede que ele seja capaz de exercer a função de juiz muito melhor do que os humanos” (SABBATTI, Renato M. E. O Computador-Juiz).

Nos Estados Unidos, o National Center for State Courts (NCSC), criado em 1971, é mantido pelos governos federal, estadual e pela iniciativa privada. Destina-se a promover pesquisas sobre temas relacionados com o Judiciário, fornece informações, presta serviços de consultoria, secretaria, assistência técnica, além de ser repositório central de literatura judiciária, e fazer intermediação entre os tribunais e o governo federal. Envolve-se fundamentalmente em contribuir para melhorar a administração da justiça, porque entendem que a qualidade das decisões judiciais depende fortemente do gerenciamento da informação.

Cada estado americano tem competência para tratar de sua organização judiciária, mas desde 1977, quase toda a justiça do País possui administradores judiciais, investidos de poderes para programar a política administrativa do judiciário, liberando os juízes para dedicação exclusiva na composição dos conflitos, como sempre reclamou o mestre Calmon de Passos, no Brasil. Ainda não se sabe se a sociedade estará satisfeita com as sentenças que poderão originar-se dos programas de computador ou se prefere retornar ao tempo das sentenças longas e demoradas originadas da mente do homem.

Certamente aparecerão reclamações como aconteceu, quando se criou o carro a gasolina para substituir a carroça movida pelo cavalo; muitos gritaram pela volta das charretes e excomungaram as máquinas que andam.

O Tribunal de Justiça da União Européia torna-se a Corte Constitucional de todo o continente; também na América Latina teremos um Tribunal para todos os países latinos.

Neste novo sistema, perde sentido a hierarquia, as rotinas irracionais, as férias e não há reclamação de atraso das decisões judiciais, pois as metas são cumpridas nos prazos marcados.

O juiz já foi sacerdote e rei, mas agora é escravo da própria máquina e servo do poder.

Revista Consultor Jurídico, 13 de abril de 2008

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sexta-feira, abril 11, 2008

Furto de Bem Penhorado - Depositário - Consequências

Boletim de ocorrência de furto, sem provas, não desonera depositário fiel da obrigação de entrega dos bens
10/4/2008


A simples alegação de furto, ainda que acompanhada de Boletim de Ocorrência, não desonera o depositário fiel da sua obrigação de guarda dos bens penhorados, nem é justificativa suficiente para livrá-lo da prisão decretada pelo juiz da execução. Quem explica é o juiz convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires, ao relatar habeas corpus, julgado pela 5ª Turma do TRT-MG. Para ele, o boletim de ocorrência é documento unilateral, já que registra apenas as alegações do denunciante, que pode informar ali o que quiser: "O que comprovaria o crime alegado seria a instauração de ação penal com a inequívoca prova do furto, hipótese inexistente no remédio instaurado" - destaca o relator. No caso, o impetrante do habeas corpus é sócio da empresa reclamada e depositário dos bens penhorados na reclamatória trabalhista. Intimado a entregar os bens ou o equivalente em dinheiro, sob pena de prisão, alegou o furto do material no galpão da empresa, em 2006, apresentando cópia do boletim de ocorrência. Sustentou a ilegalidade de sua prisão por se tratar de caso fortuito e de força maior. A Turma, no entanto, entendeu não haver qualquer ilegalidade na ordem de prisão, já que foram dadas ao executado várias oportunidades para que cumprisse a obrigação que lhe foi imposta, mas, há anos, ele vinha se esquivando. O relator chama a atenção para o fato de que o BO foi lavrado vários dias depois da suposta ocorrência, afastando a credibilidade do documento como prova: "Ora, tratando-se de bens apreendidos judicialmente, cuja localização já vinha sendo obstada pelo depositário, causa no mínimo estranheza o Boletim de Ocorrência Policial apresentado pelo depositário, inclusive, registrando o fato alegado com 22 dias de atraso" - destaca. Segundo o juiz, não ficou comprovada qualquer circunstância que caracterizasse caso fortuito ou de força maior, nos termos do artigo 642 do Código Civil, capaz de justificar a não entrega dos bens pelo depositário fiel. "O que se verifica, portanto, é a resistência do paciente em obedecer ao comando judicial, e não a impossibilidade de cumprimento da ordem"- conclui o relator. Entendendo manifesta a infidelidade - até porque, diante da oportunidade concedida de substituir os bens por dinheiro, o depositário insistiu em usar de expediente para retardar a execução, revelando negligência e descaso para com o encargo assumido - a Turma denegou a ordem de habeas corpus requerida, mantendo a prisão do depositário infiel. ( nº 00240-2008-000-03-00-3 ) Esta noticia foi acessada 1 vezes Envie esta notícia por email

TRT 3

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Cumprimento de Sentença e Honorários Advocatícios de sucumbência

Fim da discussão

Cabe honorários na fase de cumprimento da sentença

por Pedro Origa Neto e Pedro Origa

O Superior Tribunal de Justiça, instância máxima na interpretação da Lei Federal, sepulta a discussão sobre a matéria e define que deve ser arbitrado honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença.

A celeuma nasceu com o advento da Lei Federal 11.232/2005, que transformou o antigo processo de execução de sentença em fase de cumprimento de sentença.

Dentre outras mudanças a Lei Federal 11.232/2005, modificou o Código de Processo Civil, transformando o antigo processo de execução de sentença em incidente. Ou seja, a novel fase de cumprimento da sentença, facultando inclusive ao devedor o prazo de 15 dias para cumprimento espontâneo da sentença, sob pena de multa de 10%, nos termos do artigo 475-J do CPC.

Equivocadamente, alguns tribunais do país entenderam que por força da nova lei não mais era devido honorários advocatícios na nova fase de cumprimento de sentença, ao argumento de que o processo de execução de sentença havia acabado.

No entanto, a nova lei não acabou com a necessidade de arbitramento de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, principalmente porque o artigo 475-I do CPC é expresso em afirmar que o cumprimento da sentença se faz por execução.

Ora, se estabelece o artigo 20, parágrafo 4º do CPC que “nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados” e o cumprimento da sentença se faz por execução, nos termos do artigo 475-I do CPC, obviamente é obrigatório a fixação de verba honorária na fase de cumprimento da sentença.

Importante dizer que, mesmo com a nova fase de cumprimento de sentença, o trabalho do advogado não diminuiu, pois precisa apresentar cálculos, requerer penhora, manifestar sobre avaliação do bem penhorado, requerer designação da venda do bem penhorado e etc.

No mesmo diapasão, o legislador ao estabelecer multa de 10% em caso de não cumprimento espontâneo da sentença, artigo 475-J do CPC, buscou onerar e punir o devedor contumaz que mesmo com a sentença transitada em julgado não cumpre com as obrigações.

Não seria coerente o legislador criar multa de 10% para penalizar o devedor que não cumpre suas obrigações e exonerá-lo dos honorários advocatícios em execução que devem ser arbitrados entre 10% e 20%, de acordo com artigo 20 CPC.

Não reconhecer a necessidade de arbitramento de honorários na nova fase de cumprimento de sentença é beneficiar o devedor, em detrimento advogado que exerce função “indispensável à administração da Justiça”, conforme estabelece o artigo 133 da Constituição Federal.

Com o julgamento do REsp 978.545-MG, o Superior Tribunal de Justiça analisou a matéria pela primeira vez e sepultou discussão sobre o assunto ao definir que “deve o juiz fixar, na fase de cumprimento da sentença, verba honorária, nos termos do artigo 20, parágrafo 4º, do CPC”. A ministra Nancy Andrighi foi relatora. O acórdão foi disponibilizado no DJ do dia 31 de março de 2008 e publicado no dia 1º de abril de 2008 e pode ser encontrado no site do STJ.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já havia se manifestado no mesmo sentido, ao julgar o Agravo de Instrumento 700.183.961-35, relatora Marilene Bonzanini Bernardi, julgado em 12 de março de 2007, Agravo de Instrumento 700.185.129-88, relator Odone Sanguiné, julgado em 21 de fevereiro de 2007, autos 700.193.590-58, e também o Tribunal de Justiça de Minas Gerais autos 1.0024.03.999953-7.

O Tribunal de Justiça de Rondônia ao julgar Agravo de Instrumento 100.001.200.600.335-91, entendeu no mesmo sentido que “é cabível fixação de honorários advocatícios em execução de sentença, independente da existência de impugnação”, o voto foi relatado pelo juiz convocado Álvaro Kalix Ferro e acompanhado pelos desembargadores Marcos Alaor Diniz Grangeia e Gabriel Marques de Carvalho.

No entanto, a matéria não é pacífica no Tribunal de Justiça local, por ter, em outras oportunidades, manifestado em sentido contrário.

Entendemos que, com a manifestação do Superior Tribunal de Justiça, instância máxima na interpretação da Lei Federal a celeuma será sepultada.

Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2008

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terça-feira, abril 08, 2008

Vista dos Autos - Direito de Defesa

Direito de defesa

Advogado pode ter vista de processo administrativo

A administração pública não pode impedir o advogado da parte de ver processo administrativo. A 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo reafirmou, por unanimidade, o direito dos advogados e mandou a prefeitura deixar os defensores retirarem para vista um processo administrativo.

Os advogados Sandro Mercês e Raul Haidar, contratados por uma concessionária de veículos, contam que, em dezembro de 2005, foram impedidos pela autoridade municipal de retirar para vista autos de um processo administrativo contra a concessionária. De acordo com eles, o município permitia a vista apenas no balcão.

Os advogados, então, pediram Mandado de Segurança. Conseguiram uma liminar, depois confirmada pela juíza Alexandra Fuchs de Araújo, da 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, em 4 de janeiro de 2006. O município apelou ao Tribunal de Justiça paulista.

Os desembargadores rejeitaram o recurso por unanimidade. O relator, desembargador Oliveira Santos, assinalou que “os princípios previstos na Constituição devem ser respeitados pela administração pública, além do que o Estatuto da Ordem dos Advogados, lei federal, autoriza a retirada dos autos”.

O advogado Raul Haidar afirmou que vai encaminhar representação disciplinar ao tribunal de Ética da OAB paulista contra o advogado da prefeitura por entender que ele infringiu o inciso VI do artigo 34 do Estatuto da OAB, ao agir contra “literal disposição da lei”.

AC 538.906-5/1-00

Revista Consultor Jurídico, 7 de abril de 2008

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sábado, abril 05, 2008

Nulidade do Processo Administrativo - Readmissão

Falta de provas

Policial rodoviário demitido por corrupção é readmitido

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça anulou o processo administrativo que decretou a demissão de um policial rodoviário federal. A Seção acolheu o pedido de Mandado de Segurança contra a decisão do Ministério da Justiça que o excluiu do quadro de servidores da Polícia Rodoviária Federal de Santa Catarina.

O policial rodoviário foi exonerado do cargo por ato do ministro da Justiça depois de responder a processo administrativo disciplinar (PAD) por suposto proveito pessoal, improbidade administrativa e corrupção. O policial alegou ausência de defesa técnica durante a oitiva de uma testemunha no processo e irregularidade do PAD, já que não constituiu representante legal.

Também afirmou que a punição foi desproporcional, porque o único ato que o desabonaria para justificar a perda da função foi o de corrupção passiva por ter aceitado dinheiro de propina. O policial rodoviário juntou aos autos a sentença na ação penal, na qual fora denunciado por corrupção passiva. Na decisão, a juíza ressalta que as declarações das vítimas, por si só, não sustentam a ocorrência do ato delituoso (corrupção passiva). A juíza também ressaltou, em sua decisão, que jamais foi feito o reconhecimento dos infratores.

O Ministério da Justiça defendeu a manutenção da pena disciplinar (demissão) sob o argumento de que foi devidamente respeitado o contraditório e a ampla defesa, já que o policial rodoviário e seu procurador regularmente constituído participaram de todos os atos do PAD nos termos da Lei 8.112/90.

De acordo com o relator do recurso, ministro Napoleão Nunes Maia, o conjunto de provas não se mostra suficiente para comprovar, de maneira ampla e inquestionável, a corrupção cometida pelo policial rodoviário, porque a única prova da conduta dele são os depoimentos prestados pelas vítimas que sequer fizeram o procedimento de identificação do acusado.

Para o ministro, a pena imposta ao policial rodoviário foi desmedida não pelo valor supostamente recebido como propina – R$ 70,00 –, mas sim pelo escasso conjunto de provas no processo, que não comprovou as acusações.

A 3ª Seção decidiu pela anulação da portaria que demitiu o policial rodoviário e sua imediata reintegração ao cargo.

MS 13.091

Revista Consultor Jurídico, 4 de abril de 2008

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sexta-feira, abril 04, 2008

Mudança de endereço do STJ

STJ. Portal do STJ agora também em novo domínio

indicar-site.jpgO site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pode ser acessado também pelo domínio “jus”. O antigo domínio, “gov”, continuará sendo utilizado paralelamente ao novo até que o último certificado digital emitido expire, o que proporcionará tempo para que o público se adapte à novidade. A medida atende a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para garantir o domínio da Justiça na internet.

Com isso, para navegar pelo site do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é necessário digitar o endereço www.stj.jus.br . As regras para a mudança de domínio e as tabelas que estabelecem os endereços eletrônicos estão na Resolução nº 45 de 17 de dezembro de 2007. De acordo com a resolução, a medida serve para garantir ao cidadão o acesso às informações de forma precisa, sem a necessidade de conhecer suas ramificações e particularidades.

A mudança permite também o uso de acentos, hífen e cedilha na escrita dos endereços eletrônicos. Dessa forma, foram criados também outros dois novos endereços, www.superiortribunaldejustica.jus.br e www.superiortribunaldejustiça.jus.br , conforme determina a resolução.

A alteração, segundo estudo da equipe técnica do CNJ, é necessária pela segurança que proporciona. Com ela, fica implementado o padrão internacional DNSSEC (DNS Seguro), baseado na tecnologia de criptografia de chaves públicas. O sistema de resolução de nomes é mais seguro, reduz o risco de manipulação de dados e informações, com autenticidade e integridade das respostas.

O Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto (BR NIC-BR), órgão do Conselho Nacional de Justiça, é responsável pela verificação das exigências técnicas de segurança de nomes de domínios. Ao CNJ caberá a aprovação das solicitações encaminhadas ao NIC-BR e o acompanhamento da gestão eletrônica feita pelos órgãos do Judiciário. Os tribunais do Brasil estão se adequando à novidade de maneira gradual.

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Tribunais - Sustentação Oral - MP - Ilegalidade

Sustentação oral do MP depois da defesa é ilegal

28 de Março de 2008 @ 07:39 por José Carlos de Araújo Almeida Filho

SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS 87.926-8 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

PACIENTE(S): PAULO FRANCISCO DA COSTA AGUIAR TOSCHI

PACIENTE(S): SÉRGIO ANTÔNIO BERTUSSI

IMPETRANTE(S): ARNALDO MALHEIROS FILHO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de PAULO FRANCISCO DA COSTA AGUIAR TOSCHI e SÉRGIO ANTÔNIO BERTUSSI, contra decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça que, por maioria de votos, lhes denegou a ordem nos autos do HC nº 41.667, nos seguintes termos:

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. DENÚNCIA REJEITADA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROVIMENTO. SUSTENTAÇÃO ORAL PERANTE O TRIBUNAL. ORDEM. ART. 610, PARÁGRAFO ÚNICO, E ART. 618, AMBOS DO CPP. ÓRGÃO MINISTERIAL, NA FUNÇÃO PRECÍPUA DE CUSTUS LEGIS (sic) FALA POR ÚLTIMO. AUSÊNCIA DE OFENSA À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. PREJUÍZO INDEMONSTRADO.

1. A ordem estabelecida pela lei processual para a sustentação oral em sede de recurso em sentido estrito, diferentemente do que estatui o art. 500 do CPP, deixa o representante do Ministério Público por último. Inteligência dos arts. 610, parágrafo único, e 618, do CPP.

2. De um lado, resta claro o papel de parte do órgão ministerial que recorre, como no caso, buscando o recebimento da denúncia; de outro lado, o representante do Parquet que atua em segundo grau e nas instâncias extraordinárias exerce o papel precípuo de custus legis (sic). E, inclusive, não está ele vinculado às razões recursais, podendo tranqüilamente, por ocasião do julgamento, opinar em sentido diverso, em favor do réu. É o que acontece também neste Superior Tribunal de Justiça, em que o Regimento Interno dispõe no seu art. 159, § 2º, que, nessa condição de fiscal da lei, o Ministério Público Federal “fala após o recorrente e o recorrido”.

3. Ainda que assim não fosse, “ne pas de nulitté sans grief”, ou seja, não há nulidade sem prejuízo (art. 563, CPP), que deve ser demonstrado. O simples fato de ter sido dado provimento ao recurso ministerial não implica, necessariamente, ter havido prejuízo à defesa. É evidente que a decisão lhe foi desfavorável, mas o prejuízo a ser demonstrado para a nulificação do ato deve estar ligado aos fundamentos utilizados como razão de decidir, ou quaisquer outras circunstâncias que, sem ter podido reagir a defesa, foram decisivas no resultado.

Seria o caso, por exemplo, de demonstrar o réu que sua defesa ficou prejudicada porque tal ou qual argumento deduzido pela acusação não pôde ser, na oportunidade, contraditado. Se não houve qualquer relevância na ordem de apresentação dos respectivos argumentos, tendo sido todos contrapostos, não há falar em ofensa ao contraditório ou à ampla defesa. Cumpre destacar, nesse ponto, que a impetração se limitou a argüir a nulidade, sem demonstrar efetivo prejuízo. Precedente.

4. Ordem denegada” (fls. 37-58).

Os pacientes estavam sendo processados, perante a 1a Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, pela prática do delito previsto no art. 10 da Lei nº 7.492/86, em razão de o Banco Mercantil Finasa S/A – instituição financeira de que são diretores responsáveis, respectivamente, pela área contábil/auditoria e pela carteira de crédito imobiliário – ter, segundo narra a denúncia, promovido a baixa de 987 e, depois, de 797 contratos de financiamento, sem efetivo ingresso dos respectivos recursos na instituição.

O Juízo de 1o grau rejeitou a denúncia por entender que a imputação implicava atribuição de responsabilidade unicamente objetiva.

O Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi provido pelo Tribunal Regional Federal da 3a Região, dando início, então, ao processo-crime registrado sob o nº 2001.61.81.005478-9 e ora em trâmite na 6a Vara Criminal Federal de São Paulo, especializada em Crimes contra Sistema Nacional e Lavagem de Dinheiro.

Alegam os impetrantes que o julgamento do recurso em sentido estrito, pelo Tribunal Regional Federal da 3a Região, é absolutamente nulo, eis que, na sessão, o patrono dos pacientes foi instado a proferir sustentação oral antes do Procurador-Geral.

Segundo narra a inicial, “tratando-se, porém, de recurso da Acusação, o primeiro impetrante levantou questão de ordem, pedindo que o recorrente sustentasse oralmente suas razões antes do procurador dos recorridos”.

A questão de ordem foi, contudo, rejeitada à unanimidade, sob argumento de que o Ministério Público, em segundo grau, funciona apenas como custos legis:

“A Turma, à unanimidade, rejeitou a questão de ordem suscitada pela defesa no sentido de que o Ministério Público Federal se manifestasse previamente à sua sustentação oral, ao argumento de que não se confundem os papéis do Ministério Público ora como recorrente, ora como ‘custos legis’ e, na presente situação, o Procurador Regional da República atua como ‘custos legis’. No mérito, a Turma, à unanimidade, deu provimento ao recurso para receber a denúncia oferecida em face de Paulo Francisco da Costa Aguiar Toschi e de Sérgio Antônio Bertussi, nos termos do voto do(a) relator(a)”.

Foi, então, impetrado habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, que, como visto, denegou a ordem, por maioria de votos.

Contra tal decisão volta-se o presente pedido de writ, onde os impetrantes, em síntese, sustentam que o Ministério Público é órgão uno e indivisível, sendo impróprio invocar-se a figura de custos legis para justificar a imposição, feita à defesa dos pacientes, de que procedesse à sustentação oral antes do representante do Ministério Público. Alegam, pois, ofensa à garantia constitucional do contraditório, que pressupõe o direito de a defesa falar por último, notadamente nos recursos exclusivos da acusação, como ocorre no caso.

A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 62-66), verbis:

“7. Como se vê, não merece prosperar a impetração.

8. Primeiro, a manifestação oral do Ministério Público Federal, feita quando do julgamento do recurso em sentido estrito, não se encontra nos autos, de modo a falar que a sustentação tenha influenciado no julgamento do referido recurso, que recebeu a denúncia. Assim, não há prejuízo, a justificar a anulação do julgamento. Não havendo prejuízo, não há falar em nulidade. Ademais, trata-se de questiúncula, no caso, de menor importância, que não teve qualquer influência no julgamento.

9. Assim, mesmo corretos os argumentos dos impetrantes, só para argumentar, haveria necessidade de existir prejuízo, como mencionado. Prejuízo este decorrente de novos argumentos do parquet, quando do julgamento, que tenham servido de base para os desembargadores federais decidirem. Isso não ocorreu. Desse modo, não estando aqui transcritos os argumentos apresentados, nem evidenciados que foram eles, em 2a. Instância, que deram origem à decisão hostilizada, não há porque anular o julgado – ne pas de nullité sans grief.

10. Segundo, não há ofensa ao contraditório, porque não houve qualquer relevância na ordem de apresentação dos respectivos argumentos, como menciona a ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça (fl. 49). Ainda: ‘cumpre destacar, nesse ponto, que a impetração se limitou a argüir a nulidade, sem demonstrar efetivo prejuízo.’ – grifos do original (fl. 49).

11. Por igual, são relevantes os argumentos da r. Ministra Relatora, que, com espeque no art. 618 do C.P.Penal, salienta serem os regimentos internos dos Tribunais complementares à norma processual, quanto aos processos e julgamentos de recursos e apelações. Diz, no ponto, verbis (fls. 48):

‘Note-se que a ordem estabelecida pela lei processual para a sustentação oral em sede de recurso em sentido estrito, diferentemente do que estatui o art. 500 do CPP, deixa o representante do Ministério Público por último.

De um lado, resta claro o papel de parte do órgão ministerial que recorre, como no caso, buscando o recebimento da denúncia; de outro lado, o representante do Parquet que atua em segundo grau e nas instâncias extraordinárias exerce o papel precípuo de custus legis (sic). É bom lembrar, inclusive, que não está ele cinvulado às razoes recursais, podendo tranqüilamente, por ocasião do julgamento, opinar em sentido diverso, em favor do réu. É o que acontece também neste Superior Tribunal de Justiça, em que o Regimento Interno dispõe no art. 159, § 2o, que, nessa condição de fiscal da lei, o Ministério Público Federal ‘fala após o recorrente e o recorrido’. Ao que consta, no mesmo sentido é o Regimento Interno do TRF da 3a. Região’.

12. Terceiro, como reconhecido pelo Tribunal dito coator, o Ministério Público, em 2a. Instância atua como fiscal da lei, quando a ação não é de competência originária. E, portanto, como custos legis pode ele, inclusive, manifestar-se contra a própria ação, como muitas vezes acontece. Em 2a. Instância, o membro do parquet não é obrigado a manter a pretensão posta pelo seu colega de 1a. Instância. Por isso, corretas as palavras do Ministro Félix Fischer (fls. 51):

‘Se ele não fosse custos legis, seria declaradamente inconstitucional a manifestação feita por escrito por órgão que atua em segundo grau ou então aqui também. É que haveria uma intervenção a mais, em frontal quebra do contraditório. Com o custos legis não há qualquer irregularidade.

A existência de um parecer no nosso sistema, que inegavelmente é híbrido — dificilmente tem alguma correlação com outros sistemas — temos uma intervenção a mais que só é possível se o Ministério Público for considerado, nesses casos, como sendo fiscal da lei.

Penso que, sendo fiscal da lei, obrigá-lo, a não ser nas hipóteses em que a lei assim o exija, a atuar conforme o recurso seja do Ministério Público ou da defesa, não tem sentido porque, afinal de contas, ele é o fiscal da lei em segundo grau. E é assim também aqui. Só deixa de ser fiscal da lei quando o Ministério Público atua junto aos Tribunais na competência originária.

É, repito, um sistema híbrido, mas se entendermos que não é assim, teremos de pensar que o parecer não pode existir, pois seria uma intervenção a mais, que a defesa não possui’.

13. Quarto, se a Constituição (art. 96, item I, letra a, da Constituição) defere aos Tribunais elaborar as normas de processo e deferir as garantias das partes, não havendo norma processual em sentido contrário no Tribunal Regional Federal da 3a. Região, deve prevalecer, como no caso, a norma gera que estabelece que o custos legis fala, na sessão, após o(s) advogado(s) das partes.

14. Por estas breves razões, manifesta-se a Procuradoria Geral da República pelo indeferimento do writ” (fls. 64-66).

Concedi liminar (fls. 98-101), determinando a suspensão do processo-crime movido contra os pacientes, até o julgamento final deste pedido.

Iniciado o julgamento em 21 de novembro de 2006, o Min. JOAQUIM BARBOSA pediu vista dos autos.

Retomado o julgamento, em 13 de novembro p.p., a Segunda Turma, acolhendo proposta do Min. JOAQUIM BARBOSA, deliberou submeter o julgamento da presente causa do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Neste ínterim, o juízo da 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Dinheiro informou que foi declarada extinta a punibilidade dos fatos imputados ao paciente PAULO FRANCISCO DA COSTA AGUIAR, com fundamento nos arts. 107, inc. IV, 109. inc. III e 115 do Código Penal e art. 61 do Código de Processo Penal (fls. 130-136).

A defesa reiterou os termos da impetração, porque a ação penal prossegue em relação ao outro paciente, SÉRGIO ANTÔNIO BERTUSSI (fl. 143).

É o relatório.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator):

1. A questão última desta causa está em saber se, em sessão de julgamento de recurso exclusivo da acusação, pode o representante do Ministério Público manifestar-se somente depois da sustentação oral da defesa. Penso que não.

2. Ainda que invoque a qualidade de custos legis, o representante do Ministério Público deve sempre pronunciar-se, na sessão de julgamento de recurso, antes da sustentação oral da defesa. As partes têm direito à estrita observância do procedimento tipificado na lei, como concretização do princípio do devido processo legal, a cujo âmbito pertencem as garantias específicas do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da Constituição da República).

O exercício do contraditório deve, assim, permear todo o processo, garantindo sempre, como ônus, a possibilidade de manifestações oportunas e eficazes da defesa, desde a de arrazoar e contra-arrazoar recursos, até a de se fazer ouvir no próprio julgamento destes.

Em recurso em sentido estrito, interposto contra decisão de rejeição da denúncia, o denunciado, que, como é óbvio, ainda não foi citado, deve ter assegurado o exercício do ônus de se manifestar nos autos, pois seu interesse primordial reside em não ser réu, ou seja, em não lhe ser instaurada ação penal. Foi tal entendimento que levou esta Casa a editar a súmula 707, a qual enuncia que “constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”.

Estou em que fere, igualmente, as garantias da defesa todo expediente que impeça o acusado de, por meio do defensor, usar da palavra por último, em sustentação oral, sobretudo nos casos de julgamento de recurso exclusivo da acusação. Invocar, para negá-lo, a qualidade de custos legis do Ministério Público perante os tribunais, em sede recursal, parece-me caracterizar um desses artifícios linguísticos que tendem a fraudar as garantias essenciais a sistema penal verdadeiramente acusatório ou de partes.

Em excelente estudo sobre o tema, o ex-Procurador-Geral do Distrito Federal, ROGÉRIO SCHIETTI, anota:

“É, pois, superficial e simplista a distinção entre Ministério Público agente (parte) e Ministério Público consulente (fiscal), eis que, na ação penal condenatória, por mais que uma dessas funções se esconda por trás da roupagem verbal ou escrita da manifestação do membro do Parquet, estará ela presente”.[1]

De fato, na ação penal de iniciativa pública, condicionada ou não, o Ministério Público é parte, se não em sentido material – porque o poder-dever de acusar e punir não é dele, mas do Estado[2] —, é-o, ao menos formalmente, parte acusadora:

“O Ministério Público atua no pólo ativo de toda ação penal por ele iniciada, formulando a acusação, recolhendo provas e promovendo a ação penal rumo à obtenção de uma decisão judicial. Logo, não é de negar-se-lhe a qualidade de ‘parte’ na relação processual penal. […] O Ministério Público, por conseguinte, é uma parte diferenciada, sui generis, e em virtude dessa peculiaridade em seu modo de agir diz-se que o Ministério Público é ‘parte formal’, ‘parte instrumental’, ou mesmo, paradoxalmente, ‘parte imparcial’”.[3]

Desse modo, entendo difícil, senão ilógico, cindir a atuação do Ministério Público no campo recursal, em processo-crime: não há excogitar que, em primeira instância, seu representante atue apenas como parte formal e, em grau de recurso — que, frise-se, constitui mera fase do mesmo processo —, se dispa dessa função para entrar a agir como simples fiscal da lei.

Órgão uno e indivisível, na dicção do art. 127, § 1o, da Constituição da República, não há como admitir que o Ministério Público opere tão-só como custos legis no curso de processo onde, em fase diversa, já tenha funcionado, mediante outro órgão, como encarregado da acusação, sob pena de se violentar a própria sintaxe acusatória do processo penal. O conteúdo da opinião legal, de fundo, exposto no parecer ou na sustentação oral, é de pouco relevo neste tema. Ou seja, ainda que, no mérito, o Ministério Público postule a absolvição do acusado, continua sempre órgão incumbido da acusação e não deixa de agir ou de poder agir como parte que é. Conclusão diversa levaria à concepção de processo de parte única parte, o acusado, o que parece absurdo diante de um sistema garantista, acusatório, agônico, marcado pela garantia de contraditoriedade.[4]

Permitir, pois, que o representante do Ministério Público promova sustentação oral depois da defesa, ainda mais no caso de ser ele o recorrente, comprometeria o pleno exercício do contraditório, que pressupõe o direito de a defesa falar por último, a fim de poder, querendo, reagir à opinião do Parquet. Afinal, na lição velha e clássica de JOAQUIM CANUTO MENDES DE ALMEIDA, contraditório é a “ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”,[5] ou seja, ordem que implica possibilidade estrutural de realizar ações lingüísticas ou reais de contradição, a título de reação regrada a ações da outra parte.

Visando, pois, a dar-lhe plena eficácia, pugna a doutrina pelo reconhecimento e garantia do direito ou poder de o acusado falar por último, notadamente nas sessões de julgamento de recursos interpostos apenas pela acusação:

“Podendo ser a manifestação do Ministério Público, como parte ou fiscal da lei, ‘carga contra o réu’, já que em tese pode se colocar ao lado do colega acusador de primeira instância, é evidente, por força do contraditório, da garantia do devido processo legal e do princípio da ampla defesa, que não pode ser a última. […] A inversão processual consagrada pela intelecção que prestigia a manifestação do Procurador (de Justiça ou da República) por último, ocasiona um sério prejuízo ao recorrido, que não pode se manifestar repelindo os argumentos eventualmente incriminadores ou mesmo para ampliar e melhor trabalhar os que lhe forem favoráveis. Nessa ordem de idéias, torna-se irrefutável a conclusão de que, sob pena de nulidade, o representante do Ministério Público em segunda instância não pode se manifestar por último quando o órgão recorrente for seu colega de primeira instância”.[6]

“O acusado, independentemente da sua posição contingencial (recorrente ou recorrido) durante o processamento do recurso, deve ter sempre assegurada a palavra por último, ou, ao menos, após a intervenção oral do acusador, enquanto exteriorização concreta do princípio do favor defensionis. Isso porque, considerando-se a ação penal em sua inteireza, e não apenas em suas fases procedimentais estanques, o acusado estará sempre na posição defensiva, rebatendo a imputação que lhe foi endereçada pelo órgão de acusação, já que, sendo uma a relação processual penal, o conflito entre o direito de punir do Estado e o direito à liberdade do acusado permanece íntegro no segundo grau de jurisdição. […] Ainda que, portanto, o acusado venha a ser o autor do recurso, continuará sendo ele o réu da ação penal, com todo o interesse em perseverar na tentativa de expor suas razões fático-jurídicas e de mostrar ao tribunal ad quem o desacerto da tese acusatória e da sentença que lhe foi desfavorável”.[7]

Comungo da idéia de que, no julgamento de recursos exclusivos da acusação, o princípio do contraditório assegura o uso da palavra ao acusado, por intermédio do defensor, sempre depois da intervenção oral do Ministério Público que oficie no tribunal:

“Mesmo que, gratia argumentandi, se adote o entendimento de que o Ministério Público não exerce qualquer função acusatória no juízo de segundo grau […] ou mesmo quando se trate de ação penal privada (onde o Parquet é, aí sim, apenas fiscal da lei), o tribunal deverá conceder a palavra à defesa após a sustentação oral do Parquet”.[8]

O direito de a defesa falar por último decorre, aliás, do próprio sistema normativo como se vê, sem esforço, a diversos preceitos do Código de Processo Penal. As testemunhas da acusação são ouvidas antes das arroladas pela defesa (art. 396, caput). É conferida vista dos autos ao Ministério Público e, só depois, à defesa, para requerer diligências complementares (art. 499), bem como para apresentação de alegações finais (art. 500, incs. I e III). A defesa manifesta-se depois do Ministério Público ainda quando funcione este apenas como custos legis, o que ocorre nas ações penais de conhecimento, de natureza condenatória, de iniciativa privada: determina o art. 500, § 2O, que o Ministério Público, nesses casos, tenha vista dos autos depois do querelante – e, portanto, antes do querelado. O próprio RISTF, no art. 132, § 5o, tem previsão análoga à do art. 500, § 2o, do CPP. Neste ponto, aliás, andou bem o Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao prever, no art. 470, inc. VI, que, nas ações penais onde houver recurso do Ministério Público, falará em primeiro lugar o seu representante em segunda instância.

Daí, a inadmissibilidade de interpretação estrita ou dita literal do art. 610, § único, do Código de Processo Penal, no sentido de que o Ministério Público poderia, na sessão de julgamento relativo a recurso, fazer sustentação oral após a defesa, ainda quando se trate de recurso interposto pela própria acusação.

Na verdade, leitura atenta do art. 610, § único, não induz sequer à conclusão de que, nele, teria o Código estabelecido alguma ordem invariável de manifestação, pois é regra que contém mera referência à necessidade de o Ministério Público manifestar-se, donde a pressuposição, esta, sim, de toda a lógica e coerência com os princípios, de que deva fazê-lo, quando menos, segundo a ordem decorrente da sua posição processual perante o recurso, senão oriunda da sua contraposição teórica à condição do réu.

De igual modo merece releitura constitucional o disposto no § 2o do art. 143 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3a Região, que dispõe que o Ministério Público Federal fará uso da palavra após o recorrente (que, no casos dos autos, é ele próprio, por meio do órgão de primeiro grau) e o recorrido.

3. Ademais, é claro, aqui, o prejuízo da inversão na ordem das sustentações orais:

“O parecer (ou qualquer nome que se dê à manifestação escrita ou oral do Parquet), mesmo despido de roupagem acusatória, pode, como já ressaltado linhas atrás, ser determinante do resultado desfavorável do julgamento em relação ao acusado, o que legitima este, por conseguinte, a merecer a oportunidade de exercitar o contraditório”.[9]

O fato de ter sido dado provimento ao recurso do Ministério Público indica, desde logo e com clareza, gravame suficiente ao reconhecimento da nulidade, embora não se negue que defesa eficiente — aquela que, em tese, garantiria resultado absolutório ou, de outra forma, favorável ao acusado — não se confunde com defesa efetiva, esta, sim, exigível à vista da garantia constitucional.

Quando, porém, se impõe ao réu que promova sustentação oral antes da intervenção do representante do Ministério Público, sobretudo no caso de ser este o recorrente, cria-se manifesta restrição à defesa, com afronta ao art. 5o, LV, da Constituição da República, o que conduz à nulidade do julgamento. A defesa aí já não é plena, como deve sê-lo, e, por sustentar a invalidez, prejuízo virtual bastaria, porque é, a rigor, impossível sua demonstração em ato, como tem a Corte reconhecido:

“1. Defesa: Defensoria Pública: ausência de intimação pessoal da pauta de julgamento do recurso em sentido estrito: nulidade absoluta: precedentes. 2. Sustentação oral frustrada pela ausência de intimação da pauta de julgamento: demonstração de prejuízo: prova impossível (v.g., HC 69.142, 1ª T., 11.2.92, Pertence, RTJ 140/926). Frustrado o direito da parte à sustentação oral, nulo o julgamento, não cabendo reclamar, a título de demonstração de prejuízo, a prova impossível de que, se utilizada aquela oportunidade legal de defesa, outra teria sido a decisão do recurso” (RHC nº 85.443, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 13.05.2005. No mesmo sentido, cf. HC nº 83.835, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 26.08.2005).

Senhora Presidente, quero fazer, aqui, um adendo a meu voto escrito, para insistir nesse ponto, que merece consideração particular.

Alegou-se — e, em casos análogos, se alega sempre - não ter sido demonstrado o prejuízo da defesa. Mas o dano, esse resulta do teor mesmo do julgamento contrário ao réu e, como tal, é certo e induvidoso. Tenho relevado este fato intransponível. O prejuízo da defesa, em casos semelhantes, é sempre certo. Presumida é apenas a relação jurídico-causal entre o vício do processo e o teor gravoso do julgamento. E tal relação não pode deixar de presumir-se ante a impossibilidade absoluta de se atribuir o resultado injurioso ao réu a causa jurídica independente.

Só se poderia, deveras, afastar, quando menos, esse nexo entre o defeito processual e a certeza do prejuízo da defesa, se o resultado concreto do julgamento, caso em que qualquer recurso seria absolutamente anódino e infrutífero, lhe tivesse sido favorável. Todas as vezes em que, sob argüição de vício processual na sessão de julgamento ou na decisão, a defesa saia de algum modo prejudicada, não é lícito opor argumentação baseada na hipótese de que, fosse outro o procedimento adotado, segundo a lei, o resultado teria sido o mesmo. É simplesmente impossível saber como se comportariam os julgadores, ou o prolator da decisão, se houvera sido observada a ordem legal do processo garantido pela Constituição!

Noutras palavras, não há como nem por onde argumentar com o fato de que a defesa não seria capaz de demonstrar outro prejuízo, senão com resultado danoso do caso concreto, porque não se pode predizer, ou melhor, não se pode adivinhar que, se tivesse sido outra a ordem observada, o resultado do julgamento teria sido o mesmo.

Por isso, esta Corte, não poucas vezes, aludiu à impossibilidade de o réu provar prejuízo, que eu nem diria mais concreto, porque não há nada mais concreto que ato de todo em todo contrário aos interesses da defesa, como é o juízo condenatório.

A mim me parece, dessarte, que tal objeção, aliás acolhida no acórdão ora impugnado, não tem, com o devido respeito, consistência alguma, porque parte de lucubração, qual seja, a de que, eventualmente, o mesmo resultado seria obtido, se a defesa, no caso, por exemplo, se tivesse manifestado depois do representante do Ministério Público. Não sabemos se o seria. Podemos até imaginar que, se se repetir o julgamento, o resultado da causa será o mesmo. Mas isso fora puro exercício de imaginação, que nada tem a ver com a necessidade de resguardar a ordem do justo processo da lei (due process of law), garantido como direito fundamental pela Constituição da República. Até porque, doutro modo, se introduz este princípio incomentável: a ordem legal do processo pode ser sempre violada, desde que o resultado seja esse ou aquele! Isto é, outorga-se ao arbítrio do julgador, ao arbítrio de quem deve controlar a legalidade e a justiça do processo, o poder de decidir se deve, ou não, observar a Constituição da República, secundum eventum litis!

A ordem estrita de ações na particular estrutura dialética do processo penal – primeiro acusação, depois defesa – é imperativa e independe do teor do parecer do órgão acusatório, que também vela pela correta aplicação da lei.

Nesse sentido, é lapidar acórdão de lavra do Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, e cuja ementa reza:

“Julgamento de apelações criminais. Inversão na ordem das sustentações orais, das quais a da acusação sucedeu à da defesa. Inobservância dos princípios constitucionais de ampla defesa e contrariedade no processo penal. Nulidade reconhecida. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE nº 91.661, rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, DJ de 14.12.1979).

No voto do Relator, lê-se:

“Penso que a prerrogativa de falar por último constitui, para a defesa, manifestação natural da amplitude com que a Constituição a garante, do mesmo passo que traduz aplicação do princípio, também constitucional, da contrariedade no processo criminal”.

E abro mais um parêntese, para notar que, se, por especulação, entendermos que eventual repetição do julgamento terá ou teria, no caso, por conseqüência o mesmo resultado, em razão dos dados constantes dos autos - que não examino, nem me parece estaria autorizado a fazê-lo aqui -, então é razão a mais por que se repita, agora de acordo com a Constituição!

4. Diante do exposto, nos termos do art. 659 do Código de Processo Penal, julgo prejudicado o pedido em relação ao paciente PAULO FRANCISCO DA COSTA AGUIAR TOSCHI, pela extinção da punibilidade dos fatos a ele imputados, em razão da prescrição (fls. 130-136).

E concedo a ordem em favor de SÉRGIO ANTÔNIO BERTUSSI, para anular o julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº 2001.61.81.005478-9, do Tribunal Regional Federal da 3a Região, procedendo-se a novo julgamento, observado o direito de a defesa do paciente, se pretenda proceder à sustentação oral, somente fazê-lo depois do representante do Ministério Público.

[1] CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias processuais nos recursos criminais. São Paulo: Atlas, 2002, p. 94-95.

[2] TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 146-159; MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução do ministério público. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 259.

[3] CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias…, op. cit., p. 80-81.

[4] CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias…, op. cit., p. 89.

[5] Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 82. Grifei.

[6] TORON, Alberto Zacharias. O contraditório nos tribunais e o Ministério Público. In: Estudos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 99-100.

[7] CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias…, op. e loc. cit..

[8] CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias…, op. cit, p. 192-193.

[9] CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias…, op. cit,, p. 19

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terça-feira, abril 01, 2008

DJe - Diário do Judiciário Eletrônico

Diário de Justiça Eletrônico O Diário da Justiça Eletrônico (DJe) é a nova publicação oficial do STJ. É por meio dele que o Tribunal veiculará, a partir de agora, seus atos judiciais, administrativos e suas comunicações em geral.

O DJe permite o acesso às comunicações oficiais do STJ com mais facilidade e rapidez. A consulta à versão eletrônica é gratuita. No menu à direita é possível obter informações detalhadas sobre como acessar a publicação.

Os atos do Tribunal deixaram de ser veiculados na versão impressa do Diário de Justiça em 29 de fevereiro de 2008.

Como será a contagem de prazos processuais com o DJe?
Como determina a Lei nº 11.419/2006, a contagem dos prazos processuais terá início no primeiro dia útil seguinte ao considerado como data de publicação do DJe. Para facilitar a vida dos usuários, o STJ disponibilizará cada edição do Diário sempre às 19h do dia anterior ao de sua publicação. Desse modo, a título de exemplo, a edição disponibilizada no site do STJ às 19h do dia 03/03/2008 (segunda-feira) constará como publicada no dia 04/03/2008 (terça-feira, primeiro dia útil subseqüente), abrindo a contagem de prazos a partir do dia 05/03/2008 (quarta-feira).

O DJe será veiculado diariamente neste site, de segunda a sexta-feira, a partir das 19h, exceto nos feriados nacionais, recessos forenses e dias em que não houver expediente.

As partes processuais que necessitarem publicar documentos no DJe poderão fazê-lo sem custos. Terão apenas que entregar os documentos na Secretaria dos Órgãos Julgadores do STJ. É importante frisar que os arquivos têm que estar em formato RTF.

A publicação atende ao disposto na Lei nº 11.419/06, que trata da informatização do processo judicial, e na Resolução nº 08, de 20 de setembro de 2007.

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