domingo, agosto 31, 2008

Revista Intima excessiva gera indenização por danos morais

DECISÃO
Mulher será indenizada por revista íntima abusiva em visita a presídio
O Estado do Acre terá de pagar indenização no valor de 50 salários mínimos a uma mulher que, ao visitar o namorado que cumpria pena no Complexo Presidiário Dr. Francisco Conde, na capital, Rio Branco, foi submetida à revista íntima excessiva que causou constrangimento incompatível com a atuação da administração. A decisão é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No dia 12 de maio de 2004, M.A.O., em visita ao namorado no presídio, passou por duas revistas que compreenderam a realização de dois exames íntimos para verificar se estava portando droga; uma delas foi realizada em estabelecimento hospitalar. A situação a que foi submetida teve início com uma falsa denúncia de que estaria levando drogas para dentro do estabelecimento prisional.

Após o fato, M.A.O. interpôs ação na justiça requerendo indenização por danos morais ao Estado do Acre sob o argumento de que o procedimento a que foi submetida no presídio não tem previsão constitucional ou infraconstitucional. O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça do Acre negaram o pedido de M.A.O, afastando a pretensão indenizatória por dano moral.

M.A.O. sustenta que a situação lhe causou grande constrangimento, ferindo sua honra e imagem. Menciona ter havido abuso e excesso por parte dos agentes carcerários, que acabaram por violar preceitos fundamentais, protegidos pela Constituição, tais como a intimidade, a honra, a vida privada e a imagem.

Em seu voto, a ministra relatora Eliana Calmon entende haver a obrigação de reparar o dano moral causado à M.A.O., pois estão presentes todos os elementos que confirmam o abalo psicológico causado, não se tratando de um mero dissabor. Afirma também que houve abuso de direito, pois, da forma como foi exercido o direito estatal, por meio de métodos vexatórios, houve desrespeito à dignidade da pessoa humana.


Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ

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sexta-feira, agosto 29, 2008

Excelente artigo encontrado na rede mundial - Vale a pena conferir

Interceptação telefônica de advogado


Evolução legislativa e o advento da Lei nº 11.767/08


Eduardo Luiz Santos Cabette
delegado de polícia, mestre em Direito Social, pós-graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, professor da graduação e da pós-graduação da Unisal


A Lei 9296/96 em seu artigo 1º, faz referência a "interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza". No entanto, mister se faz atentar para a característica restritiva do texto legal, imprimindo a devida interpretação às suas locuções.

A exegese neste sentido, não deve resumir-se ao aspecto técnico que procura delimitar o significado de "comunicação telefônica de qualquer natureza". Pensamos ser importante a definição também com relação ao conteúdo dessas comunicações, vislumbrando nos contatos entre cliente e advogado o principal limite à ingerência da lei ordinária, sob pena de violação à ampla defesa e ao devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, CF).

Impõe-se a questão como "uma ''ponderação de valores'': entre o direito à prova e, em contrapartida, a proteção de certas atividades reconhecidamente úteis e necessárias à vida social, o ordenamento privilegia estas últimas, reconhecendo que a possível exposição de fatos ocorridos nas relações profissionais, ou de crença religiosa, colocaria em risco a própria normalidade de atuação dos envolvidos." [01]

Greco Filho [02] salienta a impossibilidade de interceptação legal sempre que envolvido, "além do sigilo da comunicação telefônica ( ... ) outro tipo de sigilo, como, por exemplo, o sigilo profissional, como ocorre na conversa do suspeito com o seu advogado."

Congruente a manifestação de Raúl Cervini [03]: "Es el caso del secreto profesional del abogado. Las comunicaciones de estos profesionales com sus clientes no podrán resultar afectadas por obra de la resolución judicial prevista em el precepto constitucional, pues este tipo de secreto profesional está específicamente al servicio de Derecho a la Defensa, que resulta intangible como garantía central que es de la posición jurídica del cliente concernido."

Segundo Alberto Rollo [04] "a escuta de telefones de advogados fere a lei de regência, fere o sigilo que deve imperar entre clientes e advogados e ofende toda a classe..."

Ademais, é de clareza ímpar que a integração da Lei 9296/96 com a Lei 8906/94 ( Estatuto da OAB ), somente pode levar a tal conclusão.

Estabelece o primeiro diploma em destaque o procedimento legal para a regular realização dessa diligência apuratória, determinando a necessidade de ordem judicial e a fundamentação que sempre deverá estar presente desde o pedido até a concessão da ordem, considerando a excepcionalidade da medida.

Por seu turno, a Lei 8906/94 ( Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil ), determina em seu artigo 7º, inciso II, que é direito do advogado ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional "a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia". O Parágrafo 6º. do mesmo artigo supra mencionado excepciona a garantia por ordem judicial fundamentada quando "presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado". Nesse caso o juiz deverá expedir Mandado de Busca "a ser cumprido na presença de representante da OAB sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes". No entanto, tal proteção não se estende "aos clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co – autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade" (nova redação dada pela Lei 11.767/08).

Verifica-se "prima facie" que o dispositivo somente excepciona a hipótese de busca e apreensão, mesmo assim condicionando sua realização ao acompanhamento de um representante da OAB, sendo notória a intenção de dispensar ao advogado um tratamento diferenciado, motivado pela necessidade de conferir-lhe garantias que possibilitem o livre exercício de suas funções, hoje acertadamente reconhecidas como "essenciais à justiça" ( CF, art. 133 ).

Portanto, pelo dispositivo legal ora enfocado, é expressa e incondicionalmente vedada a interceptação telefônica contra advogado [05].

Entendemos que o advento da Lei 9296/96 não teve o condão de alterar esta situação, uma vez que não menciona especificamente o caso de modo a possibilitar a diligência, permanecendo válida a proibição do Estatuto. Esta assertiva estriba-se no fato de que a interceptação telefônica constitui-se em restrição aos direitos e garantias individuais. Essa conclusão é hoje reforçada pela insistência do legislador em proteger o sigilo profissional do advogado de forma ainda mais pormenorizada através das alterações promovidas no artigo 7º. do Estatuto da OAB pela Lei 11.767/08, conforme acima exposto. Na ordem de sucessão legal, a lei mais recente prima pela proteção do sigilo da atividade da advocacia.

Mesmo antes do advento da Lei 11.767/08, ainda considerando a antiga redação do Estatuto da OAB (Lei 8906/94), a parte as causas evidentes de inconstitucionalidade [06], haveria necessidade de declaração expressa na lei, nos termos do primeiro verbo do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, que estabelece as três hipóteses em que a lei posterior revoga a anterior (quando expressamente o declare, quando seja incompatível e quando regule inteiramente a matéria ), uma vez que as demais hipóteses não se coadunam com o quadro sob exame.

Na realidade, a Lei 9296/96, em relação à antiga norma prevista no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil ( art. 7º, II ), adaptava-se ao previsto no § 2º do art. 2º da Lei de Introdução, não revogando nem modificando a garantia ali então determinada em prol da viabilização de uma efetiva ampla defesa em nosso ordenamento, que pretende caminhar sempre no sentido de contínua manutenção e aprimoramento de um verdadeiro Estado de Direito. Com o advento da Lei 11.767/08, se havia alguma dúvida a respeito da questão, já não há mais. Agora é a lei posterior que estabelece claramente o veto à interceptação telefônica do advogado no exercício legítimo da função.

Poderia, porém, todo esse exercício interpretativo de conjugação de leis e adequação à Constituição ser evitado se não fosse tão omissa a Lei 9296/96 com respeito a tema tão relevante.

Grinover [07] aponta essa lacuna, afirmando que "a lei também é omissa quanto à possibilidade de interceptação de comunicações telefônicas entre o suspeito ou acusado e seu defensor, relativamente aos fatos objeto de investigação ou apuração em processo penal (art. 2º do Projeto Miro Teixeira ). Aqui o sigilo entre advogado e patrocinado deve ser considerado absoluto, inerente que é ao próprio exercício do direito de defesa, não podendo ceder diante do permissivo legal. Mais uma oportunidade perdida para deixar clara uma inevitável conseqüência da aplicação do princípio da proporcionalidade, que o intérprete deverá apontar."

Mais do que relegar ao intérprete a correção e o preenchimento das falhas e omissões do legislador, conforme acima mencionado, Valtécio Ferreira [08] propõe a elaboração de um novo projeto de lei melhor elaborado, devendo dele "constar especial proteção à inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado, com estudo do tema, à luz da conduta criminosa do advogado, a ser objeto de menção em parágrafo específico." Atualmente o legislador se desincumbiu indiretamente de tal mister, com a edição da Lei 11.767/08, tratando da matéria.

Certamente de absoluta pertinência a assertiva exposta, a qual possui ainda a qualidade de trazer à cena a necessidade de regulamentação também das hipóteses em que o advogado encontra-se imiscuído na atividade criminosa. Muitas vezes essa discriminação pode ser tormentosa, sendo difícil a diferenciação entre os atos praticados pelo profissional no exercício de suas funções e aqueles em que cruza o limite da criminalidade [09]. Tal dificuldade, porém, não pode impor a inércia do legislador e do exegeta frente ao tema, especialmente no sentido de evitar que uma justa prerrogativa absolutamente necessária a uma defesa efetiva, transmude-se, eventualmente, em "privilégio" odioso, acobertando atos ilegais, imorais e que somente denigrem uma classe, face à atuação irregular isolada de uns poucos maus profissionais e cidadãos. A Lei 11.767/08 procura, com a redação do novo artigo 7º., II e parágrafos 6º. e 7º. da Lei 8906/94, regular com razoabilidade e proporcionalidade o tema ora enfocado.

Oportuna a lição de Luiz Flávio Gomes [10], apresentando o enfoque do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro e o tratamento desses casos no direito alienígena: "Quanto às comunicações entre o investigado e seu advogado nos alinhamos ao lado dos que proclamam a impossibilidade de interceptação, em princípio. Quem bem enfocou essa questão foi o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, cuja lição merece transcrição: ''Evidente, a interceptação não pode colher a conversa do indiciado, ou do réu, com o seu advogado. Vou além. De qualquer pessoa que procure o profissional a fim de aconselhar-se porque praticara uma infração penal. Será contraditório o Estado obrigar o advogado a guardar segredo profissional e imiscuir-se na conversa e dela valer-se para punir o cliente. O direito não admite contradição lógica! ( ... ). A propósito, lembre-se o Código de Processo Penal de Portugal no art. 187.3 - ''É proibida a interceptação e a gravação de conversações ou comunicações entre o argüido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objeto ou elemento de crime''. Entenda-se, porém, como interpretam os comentadores portugueses: se houver sérios indícios de o defensor haver participado da atividade criminosa. Nesse caso, não atua como profissional, mas como qualquer outro delinqüente''."

Em conclusão, pode-se afirmar que, além de não encontrar base na legislação ordinária por prevalecer o artigo 7º, II da Lei 8906/94, agora com a nova redação dada pela Lei 11.767/08, sobre a Lei 9296/96, as interceptações telefônicas contra advogados são inconstitucionais, não sendo possível sequer cogitar de eventual previsão a completar o vazio legal no sentido de permitir a intromissão na relação sigilosa entre clientes e causídicos ( arts. 5º, LIV e LV e 133, CF ).

A única exceção previsível seria nos casos em que o advogado é o próprio autor ou co-autor dos crimes sob apuração, hipótese esta em que, na verdade, não poderia validamente ancorar-se nas prerrogativas da nobre função que aviltou, pois sequer estaria no exercício legítimo da advocacia. Frise-se, porém, a necessária ponderação com que as autoridades deverão pautar-se em casos que tais, primando pelo equilíbrio e existência de bases sólidas para deflagrar uma investigação dessa amplitude, a qual somente terá lugar em casos extremos e excepcionalíssimos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo, RT, 1997.

GOMES, Luiz Flávio, CERVINI, Raúl. Interceptação telefônica. São Paulo, RT, 1997.

GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica. São Paulo, Saraiva, 1996.

GRINOVER, Ada Pellegrini. O Regime Brasileiro das Interceptações Telefônicas. Revista Brasileiras de Ciências Criminais. São Paulo, IBCCrim, 17, 112/126, Jan./Mar. 1997.

NÃO, não e não à escuta telefônica. São Paulo, Jornal do Advogado, 218/ 16-17, Set. 1998.

Notas

1. Antonio Magalhães GOMES FILHO, Direito à prova no processo penal, p. 129.
2. Vicente GRECO FILHO, Interceptação telefônica, p. 19.
3. Interceptação telefônica, p.40.
4. Apud, NÃO, não e não à escuta telefônica, Jornal do Advogado, 218/16.
5. Ver no mesmo sentido, ver Valtécio FERREIRA, apud Op. Cit., p. 17.
6. CF, art. 5º, LIV e LV e art. 133.
7. Ada Pellegrini GRINOVER, O regime brasileiro das interceptações telefônicas, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 17/124.
8. Apud, NÃO, não e não à escuta telefônica, Jornal do Advogado, 218/17.
9. Ver neste aspecto Alberto Rollo, apud, Op. Cit., p. 16.
10. Interceptações telefônicas, p. 191.

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sábado, agosto 23, 2008

Brilhante decisão do TJMG prestigiando o princípio da ampla defesa

Direito de recorrer

Réu, mesmo foragido, pode apelar de condenação

por Priscyla Costa

O fato de o condenado estar foragido não impede a análise de recurso contra sua condenação, pois não há regra mais valiosa que a do direito à ampla defesa. O entendimento é do desembargador Vieira de Brito, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

A Câmara concedeu Habeas Corpus para garantir a uma condenada por tráfico de drogas, foragida, o direito de ter seu recurso de apelação apreciado pela segunda instância. A proibição ao direito de apelar sem estar preso foi prevista nos artigos 594 e 595 do Código de Processo Penal.

O artigo 594 (“o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto”) foi revogado pela Lei 11.719/08, que reformou parte do CPP. Mas o artigo 595 continua valendo e considera deserta a apelação quando o réu condenado foge depois de entrar com o recurso.

“O não recolhimento do réu à prisão não pode constituir óbice ao duplo grau de jurisdição, tendo como baliza o sagrado direito de defesa assegurado pela nossa Carta Magna”, observou o desembargador Vieira de Britto, relator do pedido de Habeas Corpus assinado pelo advogado Cid Pavão Barcellos. “Não se pode admitir que a evasão da acusada do cárcere tenha o condão de se sobrepor ao seu direito maior que é o da ampla defesa”, entendeu.

O advogado entrou com pedido de Habeas Corpus em favor de Pilar Sampaio Moreira de Faria, condenada a 12 anos de reclusão por tráfico de drogas. Segundo o pedido, ainda na fase de instrução, Pilar conseguiu liberdade, mas depois sua prisão foi decretada. A ré fugiu. A primeira instância impediu a subida da apelação por entender que ela deveria estar presa para recorrer.

Cid Barcellos fundamentou seu pedido na Súmula 347 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “o conhecimento do recurso de Apelação independe” da prisão do condenado. “A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII, reza que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Mesmo com a revelia em razão da fuga, o recurso deveria ter chegado a seu destino, em atendimento ao princípio constitucional da ampla defesa e duplo grau de jurisdição”, afirmou o advogado.

“Isso quer dizer, em outras palavras, que os artigos 594 e 595 do Código de Processo Penal não se amoldam à Constituição Federal e tampouco aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil”, sustentou.

O desembargador Vieira de Britto acolheu os argumentos. Para ele, levar em consideração os dois artigos do CPP “é fechar os olhos à Constituição da República de 1988, a qual, indiscutivelmente, trouxe roupagem nova à Codificação Processual Penal, datada de 1941, portanto, formulada em período histórico-cultural deveras diverso do presente”, fundamentou o juiz.

Precedente superior

O Superior Tribunal de Justiça já afirmou que fuga não impede o julgamento da Apelação. O entendimento foi firmado em abril deste ano, pela 6ª Turma do STJ, no julgamento de um pedido de Habeas Corpus apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo. O pedido contestava a decisão da Justiça estadual de negar o recebimento da apelação de um condenado por roubo qualificado em razão de ele estar foragido.

A decisão da 6ª Turma garantiu ao condenado o processamento da apelação no Tribunal de Justiça de São Paulo. Baseados em voto do ministro Nilson Naves, relator do pedido, os ministros reafirmaram o entendimento de ambas as turmas penais do STJ, de que não se pode condicionar o conhecimento e o julgamento do recurso de apelação interposto pela defesa ao recolhimento do réu à prisão.

Na ocasião, o ministro Naves criticou o formalismo da decisão que gerou o pedido de Habeas Corpus. Para ele, juízes e desembargadores devem se ater mais à substância do que à forma. O ministro ressaltou que o sistema recursal brasileiro é de duplo grau, o que garante aos litigantes maior proteção da defesa. “O duplo grau visa a que, tendo duas chances, as pessoas tenham, da forma mais aberta possível, sem formalismo, que as questões de fato, principalmente, e as de direito, sejam ambas discutidas, pesadas e, afinal, bem decididas”, afirmou.

Segundo os precedentes, há incompatibilidade entre a norma do artigo 595 do Código de Processo Penal e as atuais ordens constitucionais e infraconstitucionais. O ministro Naves concluiu que o artigo bate de frente contra alguns princípios entre os quais o da não-culpabilidade antes do desfecho do processo.

Leia a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do processo: 1.0000.08.477143-5/000(1)

Relator: VIEIRA DE BRITO

Relator do Acórdão: VIEIRA DE BRITO

Data do Julgamento: 24/07/2008

Data da Publicação: 08/08/2008

EMENTA: 'HABEAS CORPUS' — RECURSO DA DEFESA — MANDADO DE PRISÃO EM ABERTO — DESERÇÃO — IMPOSSIBILIDADE — ORDEM CONCEDIDA.A fuga da ré, ou melhor, o seu não-recolhimento à prisão, não pode constituir óbice ao duplo grau de jurisdição, em observância ao sagrado direito de ampla defesa assegurado pela nossa Carta Magna.

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM CONCEDER A ORDEM. COMUNICAR.

Belo Horizonte, 24 de julho de 2008.

DES. VIEIRA DE BRITO - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. VIEIRA DE BRITO:

VOTO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Pilar Sampaio Moreira de Faria, em que se sustenta estar a mesma sofrendo írrito constrangimento ilegal por parte do douto Juiz de Direito da 3ª Vara de Tóxicos da Comarca de Belo Horizonte/MG.

Alega o impetrante que a paciente foi condenada a 12 anos de reclusão, pelos artigos 33 e 35 da Lei 11.343/06, em concurso material.

Aviado recurso de apelação pela defesa da ré, este não foi recebido pelo il. magistrado primevo em razão de não ter a paciente, até então, se recolhido à prisão, não tendo sido cumprido o mandado de prisão expedido em seu desfavor, sendo certo que a mesma não foi deferido o direito de apelar em liberdade.

Sustenta, entretanto, que tal decisum — de não recebimento do recurso - não pode prevalecer, uma vez que fere os princípios constitucionais da presunção de inocência, ampla defesa e duplo grau de jurisdição, afrontando, inclusive a Súmula 347 do STJ.

Pugna, assim, pela concessão da ordem liminarmente, a fim de que seja dado prosseguimento no recurso de apelação interposto pela defesa da paciente.

Juntou documentos de f. 07/13-TJ.

Liminar por mim indeferida (f. 21-TJ).

Informações prestadas pelo MM. Juiz a quo às f. 25/27-TJ, acompanhadas dos documentos de f. 28/117-TJ.

Instada a se manifestar, opina a ilustrada Procuradoria Geral de Justiça pela denegação da ordem (f. 119/121-TJ).

É o relatório.

Compulsando detidamente os autos, vejo que razão assiste ao impetrante, devendo ser a presente ordem concedida.

Isto porque, entendo que o não-recolhimento da ré à prisão não pode constituir óbice ao duplo grau de jurisdição, tendo como baliza o sagrado direito de defesa assegurado pela nossa Carta Magna.

De fato, diante da releitura constitucional dos artigos 594 e 595 do CPP, não se pode admitir que a evasão da acusada do cárcere tenha o condão de se sobrepor ao seu direito maior que é o da ampla defesa.

Dizer que assim o é somente porque consta de dispositivo de lei (art. 594, CPP), é fechar os olhos à Constituição da República de 1988, a qual, indiscutivelmente, trouxe nova roupagem à Codificação Processual Penal, datada de 1941, portanto, formulada em período histórico-cultural deveras diverso do presente.

Neste sentido, trago à colação a magistral lição do Professor Eugênio Pacelli de Oliveira, em sua indispensável obra "Curso de Processo Penal", verbis:

"Não se pode admitir que o prévio recolhimento ao cárcere constitua um dos requisitos de admissibilidade do recurso (art. 594) , à guisa de preparo, e nem que a fuga posterior à apelação implique a deserção do citado recurso (art. 595). Aí a violação, para além do princípio da inocência, atingiria também o princípio da ampla defesa, sobretudo no que respeita à exigência do duplo grau.

Parece-nos rematado absurdo admitir que em uma ordem democrática de direito a possibilidade de demonstração da inocência de alguém esteja condicionada à sua prisão prévia.

Ora, se a prisão foi regularmente decretada, cabe aos órgãos do Estado encarregados da persecução penal diligenciar a sua captura e não comodamente, condicionar o seu apelo à apresentação ao cárcere. Que os nossos juízes e tribunais encontram-se soterrados de trabalho, respondendo por um número de processos muito superior à sua capacidade laboral, parece não haver dúvidas. Mas que se queira amenizar tais mazelas com a violação de garantias individuais é que não nos parece a melhor solução.

(...)

Então, nunca é demais repetir: o nosso CPP foi elaborado sob realidade histórica e sob perspectivas inteiramente distintas daquela sob a qual se construiu o sistema de garantias constitucionais do texto de 1988. Não há como pretender interpretar o CPP, sobretudo no que respeita ao tema de prisão e liberdade, sem a necessária filtragem constitucional." (Ed. Del Rey, p. 702/704) — destaquei.

Corroborando tal entendimento, confira-se:

"Sentença condenatória — Réu foragido — Apelação — Processamento — Devido Processo Legal — Presunção de inocência — Cautelas processuais penais. 'O princípio da presunção de inocência, hoje, está literalmente consagrado na Constituição da República (art. 5º, LVII). Não pode haver, assim, antes desse termo final, cumprimento da sanção penal. As cautelas processuais penais buscam, no correr do processo, prevenir o interesse público. A Carta Política, outrossim, registra o devido processo legal; compreende o 'contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes'. Não se pode condicionar o exercício do direito constitucional — ampla defesa e duplo grau de jurisdição — ao cumprimento da cautela processual. Impossibilidade de não receber a apelação, ou declará-la deserta porque o réu está foragido. Releitura do art. 594 do CPP face à Constituição. Processe-se o recurso, sem sacrifício do mandado de prisão (RHC 6.110/SP)" (STJ - HC - Rel. Anselmo Santiago — JSTJ e TRF 102/238). — grifei.

Com tais fundamentos, afasto à deserção declarada pelo julgador primevo (f. 117-TJ), conhecendo do recurso de apelação interposto em favor da paciente Pilar Sampaio Moreira de Faria.

Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM impetrada para que seja processado o recurso de apelação interposto em favor da paciente Pilar Sampaio Moreira de Faria nos autos da ação penal nº 0024.08.939546-1.

Sem custas.

É como voto.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): HYPARCO IMMESI e JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES.

SÚMULA: CONCEDERAM A ORDEM. COMUNICAR.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

HABEAS CORPUS Nº 1.0000.08.477143-5/000

Revista Consultor Jurídico, 23 de agosto de 2008

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quarta-feira, agosto 20, 2008

As Súmulas Vinculantes e a Celeridade Processual

Celeridade judicial

Edição de súmula é alternativa para melhorar o Judiciário

por Sérgio Renault

Razões históricas explicam o funcionamento do nosso sistema judicial incompatível com as necessidades da população. A tradição patrimonialista do nosso desenvolvimento histórico e as injustiças sociais que nos envergonham não poderiam deixar de afetar a prestação dos serviços judiciais.

Não seria razoável esperar que, num país em que a população não recebe serviços de qualidade de saúde e educação, a Justiça estivesse ao alcance e satisfazendo a todos.

É óbvia a necessidade de ampliação da quantidade e qualidade dos serviços públicos no Brasil. Não é diferente no que diz respeito à prestação jurisdicional. Não se pode esperar que a solução do problema venha somente quando o país se tornar definitivamente justo e democrático. Enquanto isso não ocorre e não temos a Justiça dos nossos sonhos, algo há de ser feito, com as limitações que a complexidade do problema maior impõe.

Não há dúvida de que a lentidão é um dos mais graves problemas da Justiça no Brasil. Uma de suas causas é o excesso de processos que se acumulam nos tribunais superiores. Os tribunais não podem processar a enorme quantidade de ações que a eles são direcionadas. As decisões que encerram as demandas não podem sempre ser tomadas pelos tribunais superiores, numa repetição irracional de julgamentos individuais. A adoção de meios alternativos para a solução de conflitos é um dos caminhos a serem perseguidos.

A implementação de política de redução do número de processos deve levar em conta a necessidade de garantir o direito de defesa das pessoas e o atendimento do princípio segundo o qual as decisões podem sempre ser objeto de revisão superior. O sistema de recursos judiciais não existe para permitir a protelação sem fim dos processos na Justiça.

Há que considerar ainda a concentração de processos envolvendo interesses das grandes corporações privadas e do setor público. A solução definitiva passa pela implementação de políticas de desestímulo de recurso ao Judiciário e de sua utilização predatória. Enquanto os nossos tribunais estiverem congestionados, não terão tempo adequado para tratar das questões relevantes nem lhes sobrará estrutura para se tornarem acessíveis a toda a população.

É inegável que a emenda 45 e as leis processuais aprovadas após a sua promulgação em 2005 trouxeram modificações na estrutura do Judiciário. Essas alterações legislativas, aliadas às iniciativas de modernização e informatização da atividade jurisdicional, têm trazido benefícios para o Judiciário nas suas diversas estruturas.

Recentemente, observamos avanços no Supremo Tribunal Federal.

Balanço apresentado pelo presidente Gilmar Mendes demonstra a reversão de tendência histórica de crescimento anual do número de processos protocolados (20 mil em 1990, 50 mil em 2000 e 100 mil em 2007), sinalizando números mais aceitáveis em 2008: verificou-se neste primeiro semestre a redução de 39% do número de processos distribuídos entre os ministros e a queda em 10% da quantidade de ações ajuizadas diretamente no tribunal (comparação 2008/2007).

Esses resultados são creditados à implementação de medidas administrativas e de instrumentos criados pela emenda 45, como a súmula vinculante (obrigatoriedade de que determinada orientação do STF seja seguida pelos juízes das instâncias inferiores) e a repercussão geral (mecanismo que exige a comprovação de que determinada ação envolva questão relevante para que seja apreciada pelo Supremo).

Os efeitos da edição das primeiras dez súmulas e da aplicação da repercussão geral a 73 temas constitucionais já podem ser sentidos e apontam perspectivas auspiciosas.

Alguns dos efeitos preconizados com a reforma começam a ser percebidos no STF e demonstram o acerto da percepção de que a emenda 45 significou o início de um processo que precisa ser continuado.

Para isso, é necessário que todos os agentes do sistema do Judiciário, especialmente o Conselho Nacional de Justiça e as direções dos tribunais do país, enfrentem o problema com a prioridade que ele merece. O Supremo, que, historicamente, tem sido um fator de estabilidade institucional importante para o país, também nesse caso tem nos dado um belo exemplo.

Artigo originalmente publicado pelo jornal Folha de S. Paulo nesta terça-feira (19/8)

Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2008

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quarta-feira, agosto 13, 2008

Lei sobre a Inviolabilidade do Escritório do Advogado

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 11.767, DE 7 DE AGOSTO DE 2008.

Mensagem de veto

Altera o art. 7o da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, para dispor sobre o direito à inviolabilidade do local e instrumentos de trabalho do advogado, bem como de sua correspondência.

O VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o O art. 7o da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 7o ........................................................................

.............................................................................................

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;

.............................................................................................

§ 5o (VETADO)

§ 6o Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

§ 7o A ressalva constante do § 6o deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.

§ 8o (VETADO)

§ 9o (VETADO)

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 7 de agosto de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
Tarso Genro
José Antonio Dias Toffoli

Este texto não substitui o publicado no DOU de 8.8.2008

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Comportamento do Juiz no Tribunal do Júri

Passou dos limites

Juiz não pode influenciar jurados no Tribunal de Júri

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal aceitou pedido de Habeas Corpus de Vagner Rodrigues dos Santos, acusado de tentativa de homicídio. O voto do ministro Celso de Mello fundamentou-se no argumento de que o juiz de Esteio (RS) excedeu nos limites da sentença de pronúncia influenciando os jurados do Tribunal de Júri.

Segundo Celso de Melo, o juiz presidente do Júri reconheceu a autoria do crime, quando ele deveria admitir apenas os indícios. “É competência do júri dizer se o réu é ou não autor, aliás um dos quesitos é da autoria do delito, mas, no caso, o magistrado falou que não havia dúvida sobre sua autoria”, disse.

O ministro afirma que o juiz teria “aparentemente, antecipado um claro juízo desfavorável ao paciente, apto a influir, de maneira indevida, sobre o ânimo dos jurados, transmitindo-lhes uma convicção em torno da certeza de que o réu pronunciado seria o autor”.

Para o ministro, outro erro do juiz foi ter descartado a versão do acusado de que não estaria no local do crime, apesar do seu álibi. O juiz também sustentou que Santos tinha a intenção de matar. Ele chegou a dizer que a vítima só sobreviveu por causa do atendimento médico.

O HC foi ajuizado pela defesa de Santos no Superior Tribunal de Justiça. O pedido foi negado já que os ministros entenderam que não houve excesso na atuação do juiz. O STF modificou a decisão.

HC 94.165

Revista Consultor Jurídico, 12 de agosto de 2008

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segunda-feira, agosto 11, 2008

A Questão da Repercussão Geral

Segurança jurídica

Repercussão Geral não deve servir só como filtragem

por Alexandre Bittencourt Amui de Oliveira

Idealizara o constituinte reservar ao Supremo Tribunal Federal o papel de zelar e guardar a Constituição Federal. Todavia, o modelo jurídico com que se definia a competência original e recursal exibia, objetivamente, que o desiderato de preservar o STF redundara em extremado fracasso, pois, em raros os casos, os constituintes entendiam o real significado da Carta Magna.

O STF, como corte de custódia da Constituição Federal, haveria de enfrentar uma gama de dispositivos, sem qualquer tipo de nexo e sem atender aos requisitos necessários da Corte Suprema, o que fez abarrotar o último e respeitado grau de jurisdição.

Somente técnicas de admissibilidade recursal com extremado rigor analítico e grau de dificuldade se mostrariam capazes de evitar que o STF se inviabilizasse com irreversíveis problemas, pois, o que se observa, são recursos sendo julgados com meses de atraso prejudicando cada vez mais a celeridade processual, princípio constitucional violado pelo próprio órgão guardião da Constituição.

O desvio de finalidade e o abarrotamento de processo para serem julgados pelo STF estavam evidenciados, perspectiva que exigia a construção de opções que resistissem ao grande número de Recursos que discutiam matéria constitucional.

Enrijeceu-se o controle de admissibilidade do recurso extraordinário pela via legislativa – Súmula Vinculante – e pela via jurisdicional – súmulas que restringem o cabimento:

a) inviabilidade do reexame da prova, por força da imodificabilidade da herança da moldura fática (Súmula 279);

b) escassez na exploração de todos os fundamentos em que se baseou a decisão atacada (Súmula 283);

c) ausência de prequestionamento sobre matéria constitucional que deveria ter sido enfrentada, à falta de embargos declaratórios (Súmulas 282 e 356);

d) impropriedade do reexame do princípio constitucional da legalidade quando for necessário vasculhar a interpretação dada a normas infraconstitucionais (Súmula 636).

A combinação de medidas constitucionais e jurisdicionais produziu resultados ainda insatisfatórios para que o STF pudesse cumprir eficientemente o papel de corte constitucional, sem as impropriedades de instância recursal a que vem se prestando, com claro abuso, as pessoas jurídicas de direito público interno que atuam com a compreensão de que o princípio do interesse público se confunde com comportamento procrastinatório na satisfação das obrigações legais.

Neste ínterim, introduziu-se na Constituição Federal o instituto da Repercussão Geral (artigo102, parágrafo 3º, EC 45/2004), mais uma ferramenta com o propósito de articular um sistema filtrando o acesso ao STF pela via do recurso extraordinário.

Considera-se Repercussão Geral o fato jurídico em que se entranha a autoridade o qual se credencia a provocar o exercício da jurisdição definitiva pelo STF, no intuito de pacificar o conflito no qual o tema central repousa questão relevante de ordem econômica, política, social ou jurídica, ainda carente de equação, que importa à afirmação de princípio ou preceito constitucional.

Na identificação da Repercussão Geral, pouco importa a quantidade do conflito e a quantidade dos litigantes, haja vista que se exprime à qualidade da questão inserida na controvérsia cuja solução se permita informalizar a leitura que se incorpora à existência dos direitos e deveres constitucionais que se confundem com as situações ideológicas de ordem econômica, política, social ou jurídica, porque interessa ao Estado e à sociedade como elemento de grandeza valorativa do tema explorado no recurso extraordinário.

Cuida-se da derradeira oportunidade confiada ao próprio poder judiciário para preservar um valor jurídico-constitucional que tenha conteúdo de ordem econômica, política, social ou jurídica, com mais força em sua projeção do que o efeito prático que surte por interesse da solução do caso concreto.

Na preparação da Repercussão Geral, pressuposto a ser explorado e demonstrado na iniciação do recurso extraordinário, usa-se a subjetividade dos agentes apenas para emprestar objetividade à tradução da vontade constitucional, com efetividade jurídica, porquanto a expressão jurisdicional do STF se subordina ao do poder normativo impróprio.

A Repercussão Geral se confunde e se apresenta nas causas em que se discute a preservação dos valores e dispositivos constitucionais que, na verdade, substanciam os pressupostos de que necessitam os sujeitos de direito para observar o roteiro da segurança jurídica, como técnica de revelação da vontade da Constituição Federal, extraída no processo sob a influência da jurisdição do STF.

Os efeitos concretos podem se resumir ao patrimônio material ou moral de um sujeito de direito, onde certamente o resultado de uma decisão baseada no seio da repercussão geral se dissemina mais do que no campo que demarca a atuação jurisdicional do STF, pois prospecta a definição impositiva em que o Estado exerce a sua soberania.

Noutro aspecto, verifica-se que o juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário na questão da repercussão geral corre o grande risco de que as disposições constitucionais percam as garantias de segurança jurídica de que a Constituição sustenta à população no Estado democrático de direito.

O único critério tecnicamente objetivo na caracterização da Repercussão Geral, como condição de admissibilidade do recurso extraordinário, se concentra na confirmação de que a decisão impugnada e submetida ao STF tenha contrariado súmula ou jurisprudência dominante na corte.

O modelo normativo para a Repercussão Geral estimula o entendimento de que em nome do combate à crise de asfixia o qual passa o STF, à qual se junta à descaracterização de sua aplicação institucional, o dever de observância e cumprimento de regra constitucional será relativizado segundo o juízo que desenvolva valoração da questão relevante sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico.

Haverá a seleção de caso concreto, de ordem pública ou privada, em cuja solução se identifica a Repercussão Geral, por força da relevância da questão ventilada sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico, com manifesto prejuízo à valência de regra constitucional desafiada em dissídio jurisdicional, quando o STF recusar o recurso pela pronúncia de dois terços de seus membros (artigo 102, parágrafo 3º, CF, Emenda Constitucional 45/2004).

O instituto da Repercussão Geral não deve ser manejado apenas como instrumento de filtragem para conter os excessos recursais que comprometem a fundamental função do STF, sob pena de atuar mediante tratamento discricionário ou discriminatório, conforme a inclusão ou exclusão do direito à tutela máxima, principalmente quando o direito almejado, objeto da resistência tiver assento na Constituição Federal, ainda que duvidosa sua categoria constitucional.

O jurisdicionado não pode ser punido por uma Constituição falha e prolixa, todavia para atender à celeridade processual e para melhor julgar ações de relevante interesse social, a repercussão geral vem a tentar desesperadamente desafogar o órgão supremo para que, assim, possa ser aplicado às causas que realmente configuram confronto constitucional melhor julgamento e criação de súmulas melhor trabalhadas, para que futuramente somente chegue ao último grau de jurisdição recursos com fundamento definitivamente discutível.

A sociedade brasileira litiga pelo estímulo da impunidade porque tem a cognição da deficiência institucional do sistema jurídico; o estado, porque há muito perdeu a referência de seu papel institucional, com o agravante de que é o ente que mais lesa o patrimônio das pessoas, ao tempo em que mais ocupa os corredores da impunidade forense, sem que se disponha, na condição de detentor da tríplice função (legislar, administrar e julgar), a dar o exemplo de sua capacidade de reconciliar-se com a legalidade, mediante um simples sistema de pronta reparação dos prejuízos que venha a causar.

O excesso de demandas, na verdade, decorre dos valores éticos e morais que a sociedade manifesta, os quais emergenciam os conflitos jurídicos mal resolvidos no plano da consciência, que ministra o grau de responsabilidade que cada pessoa revela como disposição para superar os dissídios que surgem do conflito de interesses.

Portanto, um ministro do STF não deve julgar apenas o que queira mas o que deve, segundo a Constituição Federal. No entanto, não sendo mais discutível as ações por não terem a tão citada Repercussão Geral, e mesmo assim cria-se discórdia jurisdicional até mesmo pelo guardião da Constituição, esta não merece outra chance para tentar desafogar desesperadamente o Supremo desguarnecendo de segurança jurídica à população o qual a esta se submete, e sim tratar de forma radical criando um novo processo constitucionalista melhor elaborado para os tempos atuais, que desde 1988 sofreram inúmeras mudanças tanto sociais quanto culturais.

Revista Consultor Jurídico, 11 de agosto de 2008

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Juiz deve morar na Comarca onde exerce a função judicante

Segunda Leitura

Juiz que não mora na comarca é visto com maus olhos

por Vladimir Passos de Freitas

O juiz tem, entre as suas obrigações, de morar na comarca. É regra constitucional (CF, art. 93, VII), legal (Loman, art. 35, V) e regulamentar (CNJ, Resolução 37/2007), sendo que esta autoriza, em casos especiais, que o tribunal permita ao juiz residir em outra localidade. O que se quer com esta imposição é que o magistrado se integre na comunidade, inteire-se dos seus problemas e, ao julgar os conflitos que lhe são submetidos, o faça com conhecimento e segurança.

No passado era bem diferente. Os primeiros desembargadores vieram de Portugal para atuar na Relação da Bahia, primeiro tribunal em solo brasileiro (1609), “estavam proibidos de freqüentar casas de jogo e ir à casa de outras pessoas, podendo apenas visitar uns aos outros, e aos presidentes dos ditos Tribunais. Também não podiam casar — o que foi explicitamente proibido aos desembargadores do Brasil — nem tomar afilhados dentro de sua jurisdição” (Memória da Justiça Brasileira, TJ-BA 1993, p. 58).

Superados os extremos dos tempos de antanho, chegamos ao início deste complexo Século XXI. O impressionante aumento populacional, a velocidade das comunicações interligando regiões distantes, a migração campo/cidade, a conurbação ligando municípios vizinhos, o ingresso da mulher na magistratura, o ir e vir diário como forma de vida, tudo isto originou situações antes sequer imaginadas.

O morar na comarca, regra geral no passado recente, foi diminuindo. Rodovias asfaltadas reduziram tempo e distâncias. A idade média dos juízes (mesmo com a exigência dos 3 anos) diminuiu. O casamento foi adiado para depois dos 30. A gestação postergada ou evitada. Ademais, surgiram enormes cidades na periferia das capitais, de baixo nível social, onde, obviamente, magistrados não querem (até por razões de segurança) residir. Outrossim, as cidades de maior porte não justificam mais o invocado relacionamento juiz/comunidade, simplesmente porque nelas o juiz é um anônimo e, se é assim, tanto faz que ele resida aqui ou ali.

Quais as conseqüências de tais situações no exercício da jurisdição? Ou, reflexamente, na vida de um jurisdicionado? Muitas. Antes de mais nada, o juiz não residente é visto com pouca simpatia. Depois, o morar longe cria hábitos. O tempo e o cansaço levam a ir na terça-feira e voltar na quinta-feira. No dia em que se vai, chega-se cansado. No que se volta, o estado é de ansiedade. E não é só isto. Nos dias em que não está na Vara, os processos param. Por exemplo, um pedido de liberdade provisória tem seu exame retardado por dias. Nos fins-de-semana, não há plantão. Mais ainda, o juiz que falta não tem condições de cobrar a presença dos funcionários. A tolerância se instala, porque a ambos interessa.

E os tribunais, como regulamentam a questão? Regra geral, sem estudos científicos (médicos, por exemplo). Quantas horas alguém pode viajar diariamente e exercer as funções de juiz? É possível dirigir 70 ou 90 km por dia e trabalhar? Ou a partir de que nível de estresse a irritabilidade aumentará e a produção diminuirá? E a presença diária, é cumprida? Ou é tolerada a ausência um ou mais dias por semana? Como reage a comunidade jurídica local? Criticando à boca pequena ou expondo o fato à corregedoria, através da OAB local, com franqueza e lealdade? E como reage o corregedor? Atribuindo-se a condição de pessoa preocupada com o interesse público e investigando? Ou buscando a tentadora posição de ser popular junto à primeira instância?

Conexo a este tema situa-se o do tempo de permanência do juiz na vara. Em alguns casos o juiz assume e logo em seguida, um ou dois meses depois, é removido ou promovido para outra vara. Já “entra de costas” para usar uma expressão popular. Deixa na curta passagem um rastro de processos parados ou tumultuados. Neste caso a exigência rígida de um prazo mínimo de permanência, que nunca deve ser inferior a um ano, é a única solução para evitar o caos. Sem “jeitinho” ou flexibilização.

Tais aspectos, essenciais para uma Justiça eficiente e humana, não são objeto de estudos. Mas influem diretamente na vida de milhares de pessoas que buscam a Justiça e nela depositam suas esperanças. Quando o problema é suscitado, as coisas se resolvem mais pelo exame dos problemas do juiz do que pela necessidade da sociedade local. Esta, regra geral pouco organizada, sofre calada os efeitos. Por vezes, nem mesmo se dá conta.

E assim as coisas ficam mais no critério de cada um. Existem aqueles que fazem da magistratura uma opção de vida, a ela dedicando todas suas forças e fazendo o bem à sociedade e a si próprios. Mas há também os que se supõem merecedores de todos os direitos e de nenhuma obrigação, criados no sistema de educação do “tudo pode”. E existem, ainda, os que são encarregados de examinar a conduta de todos, ou seja, corregedores, membros de Conselhos da Magistratura, Órgão Especial, etc. e que, por comodidade ou covardia, abstêm-se de qualquer medida que se revele impopular. Os primeiros merecem, de todos, o reconhecimento, inclusive por escrito. Os segundos, a repulsa, sem meio termo. E os terceiros, um pedido: por favor, aposentem-se.

Revista Consultor Jurídico, 10 de agosto de 2008

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terça-feira, agosto 05, 2008

Direito do Advogado - Inviolabilidade do Escritório

Proteção geral

A liberdade do advogado é garantia inalienável do cidadão

por Iberê Bandeira de Mello

Sou mais um cidadão brasileiro indignado com o resultado do processo legislativo federal vigente. Eis que, de repente, insurgem-se alguns contra a atualização das normas de garantias individuais previstas na advocacia do mundo inteiro.

No direito anglo saxão, como toda gente sabe, o advogado é considerado como um justice officer, ou seja, um funcionário da justiça do mesmo gabarito que juízes e promotores, portanto sem regalias. Não é à toa que no cinema americano, o advogado que “pisa na bola” ou ofende uma autoridade é preso por cinco, dez dias. Da mesma maneira, o advogado pode também prender o juiz que comete erros.

No entanto, seu escritório jamais será devassado no que diz respeito aos direitos dos cidadãos por eles defendidos. A liberdade do advogado, até mesmo entre árabes nômades, é considerada garantia inalienável do cidadão contra o Estado todo poderoso, aparatado por suas polícias, promotorias e judicatura. Essas instituições escrutinam a vida do cidadão que conta apenas como única possibilidade de defesa, a presença solitária do seu advogado.

Entendo que a questão crucial da advocacia é a chamada “linha branca”, o do limite da legalidade que, uma vez ultrapassado, transforma o advogado em criminoso, portanto, sujeito a ser punido como qualquer infrator.

Não me resta menor dúvida de que a advocacia seja uma das profissões mais antigas da humanidade, que vem dos tempos bíblicos.

Imagine-se Deus, que tudo pode, ao criar o homem e a mulher, estabeleceu normas simples de convívio e uma única restrição: não comer da fruta proibida. Mas eles não obedeceram: abocanharam a maçã.

Irado, Deus quis exterminar aquela raça insubordinada, incapaz de suportar a mínima proibição. Foi então que, no começo da vida do universo, alguém ou algo apelou ao Senhor: “Não mate, expulse". Esse foi o primeiro advogado.

A habilidade de acomodar algodão entre cristais ilustra o ofício do advogado que, além de trabalhar sob a lupa do poder do Estado, deve atender a permanente expectativa do seu cliente, calcada em suas dores e incertezas.

Por isso, o advogado tem de ser protegido da arbitrariedade. Mas não é o que não vem acontecendo, uma vez que determinados juízes, promotores e delegados de polícia excedem sua autoridade para transformarem-se em inquisidores dos advogados, especialmente os que trabalham pelos humildes, contrariando o que foi milenarmente construído pelo processo civilizatório.

Esse quadro perverso tem um defeito de origem. Os inquisidores da boa advocacia não conhecem os riscos materiais e morais do nosso ofício pois, uma vez aprovados nos concursos, não sofrem escrutínio algum, não passam por exames de qualquer natureza ao longo da carreira. Tornam-se agentes intocáveis e com uma margem oceânica de abuso contra o cidadão. A linha branca não existe para essa casta, mas sim para os advogados lutadores, capazes e decentes.

Nos anos 80, em plena ditadura militar, os advogados Idibal Piveta, Paulo Gerab, Airton Soares, Luiz Eduardo Greenhalgh e este que vos fala, foram chamados para defender os diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, injustamente perseguidos pelos sequazes do então 2º Exército, comandado pelo conhecido linha dura general Milton Tavares, cujo nome hoje é homenageado numa ponte sobre o Rio Tietê.

Embora jovens, tivemos a lucidez de, numa reunião feita no escritório de Airton, Idibal e Luiz Eduardo, chamar para participar da defesa o grande Heleno Fragoso e Sepúlveda Pertence. Experientes, eles ofereceram a solução do não comparecimento a uma audiência marcada para dali a dois dias, porque ela prejudicaria a defesa que mal tinha tido a oportunidade de compulsar os autos do processo, portanto, impossibilitada de apresentar as melhores razões. Isso foi possível simplesmente porque o escritório de advocacia era inviolável e puderam decidir os mais experientes que não fôssemos a essa audiência.

Não fosse o direito a essa inviolabilidade, o caso não ganharia a repercussão internacional e talvez hoje não tivéssemos o presidente da República que temos.

Assim o caso aconteceu. Assim conto eu.

Revista Consultor Jurídico, 5 de agosto de 2008

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