quarta-feira, julho 30, 2008

Julgamento da Ação sem a Citação do Réu


Julgamento liminar de improcedência, sem citação do réu 21/5/2008José Maria Tesheiner - Professor de Direito processual civil na PUC/RS; Desembargador aposentado do TJRGS
Há quem não goste do artigo 285-A, do Código de Processo Civil, que autoriza a rejeição liminar do pedido, ainda antes da citação do réu, quando no juízo já houver sido proferida sentença de improcedência em outros casos idênticos.
Penso, porém, que não apenas se deve acatar essa regra, que nada tem de inconstitucional, mas ir além, interpretando-a extensivamente, para admitir sentença liminar de improcedência, em casos de manifesta improcedência do pedido.
Desatino? Loucura? Desvario?
Não. Apenas a revelação de uma virtualidade1 de nossa lei processual, ainda não explorada.
Estabelece o Código de Processo Civil que a petição inicial deve ser indeferida, quando for inepta, considerando-se como tal a que contiver pedido juridicamente impossível (art. 295, I, e seu parágrafo único).
São exemplos de pedido juridicamente impossível: o de condenação no pagamento de dívida de jogo, de prisão do devedor por dívida cambial, de usucapião de terras públicas e o de adimplemento de contrato ilícito, como o de compra e venda de cocaína.
Ora, há muito observou Cezar Peluso, que a expressão “impossiblidade jurídica do pedido” dissimula a verdadeira natureza do fenômeno, que é o de improcedência prima facie (STACSP, 81:283).
A diferença é que, quando escreveu, ainda não se admitia rejeição liminar do pedido por improcedência manifesta, salvo quando constatada, desde logo, a prescrição ou a decadência (art. 295, IV).
Isso mudou com o artigo 285-A, porque, agora, nosso Direito expressamente admite rejeição liminar do pedido, sem citação do réu, por improcedência prima facie.
A impossibilidade jurídica permitia antes apenas a decretação de carência de ação; é de se admitir, agora, julgamento liminar de improcedência.
Por que não proferir, desde logo, julgamento de mérito e para que citar o réu, quando às escâncaras se impõe a
rejeição do pedido?
Em casos tais, dever-se-á dar ciência ao réu apenas do trânsito em julgado da sentença, para que possa eventualmente opor a objeção de coisa julgada.
Se, inconformado com o julgamento liminar de improcedência, o autor apela, aí sim é necessária a citação do demandado, para responder ao recurso (art. 285-A, § 2º).
Ao tribunal será dado, então, confirmar ou cassar a sentença. Não poderá reformá-la, para acolher o pedido, porque o réu foi citado para responder ao recurso, e não para contestar a ação (art. 285-A, § 2º). Não poderá o tribunal aplicar-lhe a pena de revelia, caso haja preferido não oferecer contra-razões, nem presumir que não tenha fato impeditivo ou extintivo a opor.
A sentença de rejeição liminar do pedido produz coisa julgada material. Nisso não há sequer novidade, porque isso já ocorria antes, nos casos de decretação liminar da prescrição ou da decadência. Nem se diga que o réu ainda não era parte e, por isso, não poderia ser beneficiado pela sentença (art. 472). O réu é réu porque contra ele foi formulado o pedido, e não porque citado. É réu desde a propositura da ação, tanto que medida liminar pode ser deferida e executada antes mesmo da citação.
Bem aplicada, a norma do artigo 285-A impedirá tramitação inútil de muitos processos. Mal aplicada, poderá ocorrer que o Supremo Tribunal Federal, ou o Superior Tribunal de Justiça, acolhendo recurso do autor, venha a determinar o processamento da ação. Ter-se-á, então, perdido anos, numa fase preliminar, anterior à própria contestação.1 Observe-se que não estou a afirmar que assim é (em ato) nosso sistema jurídico, para o que seria necessário que houvesse decisões nesse sentido. Estou apenas a apontar uma potencialidade nele contida.

Fonte: Site NotaDez

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segunda-feira, julho 28, 2008

Pensão Alimentícia para Nasciturgo

Projeto inconsistente

Pensão para grávidas: legislador foi impreciso e equivocado

por Maria Berenice Dias

Alimentos gravídicos. A expressão é feia, mas o seu significado é dos mais salutares. Aguarda sanção presidencial o Projeto de Lei 7.376/2006 que concede à gestante o direito de buscar alimentos durante a gravidez, daí "alimentos gravídicos" .

Ainda que inquestionável a responsabilidade parental desde a concepção, o silêncio do legislador sempre gerou dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro. Raras vezes a Justiça teve a oportunidade de reconhecer a obrigação alimentar antes do nascimento, pois a Lei de Alimentos (5.478/68) exige prova do parentesco ou da obrigação. O máximo a que se chegou foi, nas ações investigatórias de paternidade, deferir alimentos provisórios quando há indícios do vínculo parental ou após o resultado positivo do teste de DNA.

Graças à Súmula 301 do STJ, também a resistência em se submeter ao exame passou a servir de fundamento para a antecipação da tutela alimentar. Assim, em muito boa hora é preenchida injustificável lacuna. Porém, muitos são os equívocos da lei, a ponto de questionar-se a validade de sua aprovação. Apesar de aparentemente consagrar o princípio da proteção integral, visando assegurar o direito à vida do nascituro e de sua genitora, nítida a postura protetiva em favor do réu.

Gera algo nunca visto: a responsabilização da autora por danos materiais e morais a ser apurada nos mesmos autos, caso o exame da paternidade seja negativo. Assim, ainda que não tenha sido imposta a obrigação alimentar, o réu pode ser indenizado, pelo só fato de ter sido acionado em juízo. Esta possibilidade cria perigoso antecedente. Abre espaço a que, toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito indenizatório ao réu. Ou seja, a improcedência de qualquer demanda autoriza pretensão por danos materiais e morais. Trata-se de flagrante afronta o princípio constitucional de acesso à justiça, dogma norteador do estado democrático de direito.

Ainda que salutar seja a concessão do direito, de forma para lá de desarrazoada é criado um novo procedimento. Talvez a intenção tenha sido dar mais celeridade ao pedido, mas imprime um rito bem mais emperrado do que o da Lei de Alimentos.

O primeiro pecado é fixar a competência no domicílio do réu, quando de forma expressa o estatuto processual concede foro privilegiado ao credor de alimentos. De qualquer modo, a referência há que ser interpretada da forma que melhor atenda ao interesse da gestante, a quem não se pode exigir que promova a ação no local da residência do devedor de alimentos.

A outra incongruência é impor a realização de audiência de justificação, mesmo que sejam trazidas provas de o réu ser o pai do filho que a autora espera. Da forma como está posto, é necessária a ouvida da genitora, sendo facultativo somente o depoimento do réu, além de haver a possibilidade de serem ouvidas testemunhas e requisitados documentos. Porém, congestionadas como são as pautas dos juízes, mesmo sem a audiência, convencido da existência de indícios da paternidade, indispensável reconhecer a possibilidade de ser dispensada a solenidade para a fixação dos alimentos.

Mas há mais. É concedido ao réu o prazo de resposta de 5 dias. Caso ele se oponha à paternidade a concessão dos alimentos vai depender de exame pericial. Este, às claras é o pior pecado da lei. Não há como impor a realização de exame por meio da coleta de líquido amniótico, o que pode colocar em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante. Não há justificativa para atribuir ao Estado este ônus. E, se depender do Sistema Único de Saúde, certamente o filho nascerá antes do resultado do exame.

Os equívocos vão além. Mesmo explicitado que os alimentos compreendem as despesas desde a concepção até o parto, de modo contraditório é estabelecido como termo inicial dos alimentos a data da citação. Ninguém duvida que isso vai gerar toda a sorte de manobras do réu para esquivar-se do oficial de justiça. Ao depois, o dispositivo afronta jurisprudência já consolidada dos tribunais e se choca com a Lei de Alimentos, que de modo expresso diz: ao despachar a inicial o juiz fixa, desde logo, alimentos provisórios.

Preocupa-se a lei em explicitar que os alimentos compreendem as despesas adicionais durante o período de gravidez, da concepção ao parto, identificando vários itens: alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico. Mas o rol não é exaustivo, pois o juiz pode considerar outras despesas pertinentes.

Quando do nascimento, os alimentos mudam de natureza, se convertem em favor do filho, apesar do encargo decorrente do poder familiar ter parâmetro diverso, pois deve garantir ao credor o direito de desfrutar da mesma condição social do devedor. De qualquer forma, nada impede que o juiz estabeleça um valor para a gestante, até o nascimento e atendendo ao critério da proporcionalidade, fixe alimentos para o filho, a partir do seu nascimento.

Caso o genitor não proceda ao registro do filho, e independente de ser buscado o reconhecimento da paternidade, a lei deveria determinar a expedição do mandado de registro. Com isso seria dispensável a propositura da ação investigatória da paternidade ou a instauração do procedimento de averiguação, para o estabelecimento do vínculo parental.

Apesar das imprecisões, dúvidas e equívocos, os alimentos gravídicos vêm referendar a moderna concepção das relações parentais que, cada vez com um colorido mais intenso, busca resgatar a responsabilidade paterna. Mas este fato, por si só, não absolve todos os pecados do legislador.

Revista Consultor Jurídico, 27 de julho de 2008

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Prisão não é a solução

Mentiras do Direito Penal

Prisão não é último reduto para a manutenção da ordem

por Eduardo Mahon

As prisões nunca foram e não são institutos de recuperação, de ressocialização, de moralização ou de salvação coletiva e individual. Não previnem delitos em geral, não garantem a ordem pública na sociedade, não reprimem a tarjada criminalidade e, finalmente, jamais lograram recuperar quem quer que seja, resumindo-se por atestar o bom comportamento de um segregado pacífico. Mas ajustá-lo ao sistema é uma grande falácia, se não se ajusta toda a sociedade nos mesmos termos totalitários que a própria segregação. Daí que o discurso prisional é uma mentira, uma fantasia de segurança que as instituições precisam ter para, constantemente, legitimarem-se a si mesmas.

Uma ínfima porção da população é recrutada para os calabouços que se dividem na política da retribuição da vingança, com usurpação de qualquer direito fundamental e, de outro lado, da ressocialização, como se o indivíduo condenado não fosse, fora da cadeira, suficientemente socializado. Ora, pretender transformar a sociedade por amostragem, reeducando (condicionando ou adestrando?) um de seus exemplares é por demais fantasioso. Privá-lo de contato externo, de trabalho, de relações sexuais, de verbalizar, de organizar-se, de socializar-se mesmo dentro dessas instituições é promover o contrário do que se pretende — trata-se de fabricar o próprio desviante, seja pelo contato recluso, seja pela reação que se dará no íntimo da pessoa.

Pior é a tendência médica dos operadores do Direito que, cinicamente, ainda não superaram a antiga criminologia positivista e se batem por exigir “exames de periculosidade”, abdicando de uma responsabilidade judiciária para, uma vez mais, doá-la à ciência humana que não só quer mais poder, como pretende exercer o controle sobre o direito penal. Esse avanço já se deu em épocas passadas mas, no Brasil, mantém toda a atualidade, infelizmente. Os juízes ainda não entenderam que “examinar” o delinqüente é investigar aspectos interiores, num contexto que não condiz com o sistema acusatório de garantias e, portanto, resta lavar as mãos alegando-se ignorantes em matéria de medicina.

Até quando manteremos esse discurso de fantasia? É claro que a mão de obra ociosa e subvalorizada da penitenciária pode ser aproveitada pelo mercado de trabalho, transformando os presidiários em fonte de lucratividade, como já ocorreu em muitos outros países. É claro que essas instituições totalitárias servem de laboratórios para emprego de profissionais que vagariam no mercado de trabalho e que, dentro da instituição, são prestigiados pelo poder público. É claro que o isolamento, o encarceramento é uma medida de confere uma segurança psicológica divulgada pelos meios de comunicação de massa. Mas não está de forma alguma provada que a pena de prisão transforma quem quer que seja ou torna a sociedade um local mais seguro. É mentira e devemos desnudar essa falácia.

É que “o crime”, como resultado não apenas da tipificação legal como também resultado do “etiquetamento social” já havia antes mesmo das prisões. Com o advento da prisão, sob a égide científica, analisando-se o criminoso enquanto criminoso e não como ser humano, foi muito mais eficaz a rotulação de classes sociais, de raças e tantas outras formas de estereótipos. O preso é um resistente social, econômico, político, religioso, conforme a contingência do sistema policialesco criminal que entrega à jurisdição esses azarados que caem na rede da repressão. Não é verdade que os delitos diminuem, não é verdade que a segurança aumenta, não é verdade que a prevenção se faz mais convincente e, finalmente, não é verdade que essa pessoa será reinserida na sociedade. Ao contrário – o recluso e toda a sua família leva a marca, a etiqueta, o rótulo e, portanto, estão fadados na maioria dos casos a confirmar esse mesmo estereótipo, tornando-se ainda mais legitimado o sistema.

Mergulhado no caldo do atraso, do atemporal, da suspensão da vida, o desviante torna-se um criminoso, os índices de periculosidade medidos “cientificamente” confirmam o acerto judiciário e jamais tem a chance de se “recuperar”. Daí que o senso comum entende que a função do direito penal é ética, moral, social, racial, enfim, tantas outras justificativas para o injustificável. E, contando com tantas variações de justificação e de legitimação, ao contrário de deflacionar o fenômeno carcerário, este é instado ao aumento proporcional com a insegurança inculcada pelo próprio sistema que se alimenta dessa gente. Mas será tão difícil perceber que se trata de uma ilusão, de uma mentira, nitidamente classista, moralizadora e racial?

Será que não temos a capacidade de fazer das prisões o último dos redutos injustificáveis para a manutenção da ordem, abrindo seus portões para dar uma chance real a quem lá apodrece? Até quando vamos manter essa falsidade chamada prisão e a fantasia de que será ela que resolverá os problemas sociais brasileiros em função do confinamento desumano dos “agressores”? Até quando vamos mentir que a prisão não tem molde para a seletividade social e racial? Até quando o direito penal será tido e glorificado como de vanguarda numa sociedade subdesenvolvida e não retaguarda vergonhosa de uma sociedade mais avançada?

Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2008

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sexta-feira, julho 25, 2008

Prisão - Crimes Hediondos

Maioridade dos hediondos

Prisão não pode ser usada para atender reclames emocionais

por Leonardo Isaac Yarochewsky

Nesta sexta-feira (25/7), a famigerada Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) completa seu 18º aniversário e, como já era de esperar, não há nada para comemorar. A referida lei foi pensada e promulgada, conforme salienta o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, “em clima de grande emocionalismo, onde os meios de comunicação de massa atuaram decisivamente de forma a exagerar uma situação real da criminalidade; o diploma em estudo trouxe consigo não só questões ligadas à inconstitucionalidade das regras que o integram, mas conduziu-nos a uma verdadeira balbúrdia em termos de razoabilidade punitiva” (in Crimes hediondos: o mito da repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996).

É necessário recorrer à memória para lembrar que a Lei dos Crimes Hediondos foi promulgada após os seqüestros dos empresários Roberto Medina e Abílio Diniz. Tais fatos provocaram uma reação imediata da mídia e da sociedade por ela manipulada para que fosse a qualquer custo, mesmo com o sacrifício de direitos e garantias fundamentais, contida e combatida a criminalidade.

Diante desta situação dramatizada, entrou em vigor a afamada lei que, embora criticada por boa parte dos estudiosos do Direito Penal, foi “entregue” a sociedade como se fosse a panacéia para os males da violência e da criminalidade.

No dizer do penalista Alberto Silva Franco, “as conseqüências de uma guerra, sem quartel, contra determinados delitos e certas categorias de delinqüentes, serviram para estiolar direitos e garantias constitucionais e para deteriorar o próprio Direito Penal liberal, dando-se azo à incrível convivência, em pleno Estado Democrático de Direito, de um Direito Penal autoritário” (in Crimes Hediondos: notas sobre a Lei 8.072/90. São Paulo: Revista dos Tribunais).

Não obstante o rigor das leis penais, principalmente da lei dos crimes hediondos, a criminalidade continua crescente. Daí decorre a conclusão lógica que a transformação de condutas que não afetam bens jurídicos fundamentais em crime, o acréscimo sistemático das penas, o cerceamento de direitos e garantias e outras medidas de caráter draconiano não implicam, como muitos crêem, na diminuição da violência e da criminalidade.

A sociedade precisa entender de uma vez por todas que não existem remédios milagrosos e soluções mágicas para redução da violência e para combater a criminalidade. Além das tão faladas medidas sociais (o crime é também uma questão social), é necessário encarar o fato de que o sistema penal não é capaz de absorver toda criminalidade. A pena privativa de liberdade não pode e não deve ser aplicada aleatoriamente e nem para atender reclames emocionais.

Revista Consultor Jurídico, 25 de julho de 2008

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terça-feira, julho 22, 2008

STJ tem novo Presidente

Comando trocado

Asfor Rocha assume a presidência do STJ nesta terça

O ministro Cesar Asfor Rocha assume o comando do Superior Tribunal de Justiça, a partir desta terça-feira (22/7), em substituição ao ministro Humberto Gomes de Barros, que está se aposentando.

A substituição está prevista no artigo 18 do Regimento Interno do STJ. Como a troca se dá em meio ao recesso do Judiciário, caberá a Asfor Rocha convocar eleições no tribunal logo que for encerrado o recesso.

O novo presidente do STJ será conhecido depois de 15 dias da convocação do processo eleitoral, quando será empossado. O mandato é de dois anos.

Perfil

Asfor Rocha se graduou bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Ceará, em 1971. Ele é integrante do Conselho Nacional de Justiça desde junho de 2007. Advogado de carreira, chegou ao STJ em 22 de maio de 1992, indicado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Cezar Asfor Rocha também já esteve à frente da coordenadoria-geral do Conselho da Justiça Federal, foi ministro e corregedor-geral eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral e diretor da Escola Judiciária Eleitoral. Também dirigiu a Revista do STJ.

Mestre em Direito, o novo presidente do STJ possui título de notório saber pela Universidade Federal do Ceará. Dentre os livros lançados por ele estão Clóvis Beviláqua em outras Palavras, um estudo da obra do grande jurista, e A Luta pela Efetividade da Jurisdição, no qual defende a utilização dos instrumentos processuais para uma Justiça mais célere e eficaz. É co-autor ainda das obras O Novo Código Civil – Estudo em homenagem ao Professor Miguel Reale e Direito e Medicina – Aspectos Jurídicos da Medicina.

Revista Consultor Jurídico, 22 de julho de 2008

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A Prisão Cautelar seria um mal necessário?

Fora das grades

Qualquer prisão cautelar é ilegítima e irracional

por Edno Damascena de Farias

Este texto é escrito para demonstrar que qualquer prisão chamada de cautelar é ilegítima e irracional, principalmente em casos de mera suspeita e de pedidos realizados por órgão não especializado para atuar como parte no processo, como a polícia civil, por exemplo, que, pela legislação atual, pode pedir a prisão temporária de suspeito.

É irracional e atentatória ao princípio da proporcionalidade a prisão cautelar em qualquer fase do processo, diante da desproporcionalidade entre a necessidade e a utilidade da medida, vez que os aparatos de Estado, responsáveis pela investigação e propositura da ação têm os mecanismos de verificação do fato ocorrido, suas circunstâncias e autoria para a constituição de provas técnicas, sem necessidade de constrição da liberdade da pessoa humana.

Ademais, os juízes possuem o poder de determinar a quebra de sigilos bancário e telefônico, de checagem da declaração de imposto de renda, de acompanhamento das contas bancárias, do monopólio legal da realização de perícias técnicas, para a aferição de situações fáticas pormenorizadas da vida e conduta de qualquer suspeito ou acusado.

Mais execrável ainda é a denominada prisão cautelar quando a liberdade do suspeito, indiciado ou acusado, não colocar em xeque ou em risco a vida ou a liberdade de ir e vir de outras pessoas da sociedade, como vem acontecendo nos casos de crimes patrimoniais e financeiros, ou ecológicos, dentre outros, vez que, para esses crimes, a melhor medida, racional e afeta ao princípio da proporcionalidade, seria o bloqueio, confisco, arrolamento ou seqüestro dos bens objetos do litígio jurídico, ainda que de forma cautelar.

Enquanto puro exercício epistemológico esclarece-se que medida cautelar é aquela que visa assegurar a execução futura, não satisfazendo — sequer de forma provisória — a pretensão do autor, pois o bem litigado não fica com uma das partes e sim sob a tutela do Estado — como terceiro imparcial — e se diferencia daquela adotada para execução da segurança, que antecipa os efeitos da tutela pretendida no processo — vez que satisfaz, ainda que provisoriamente a pretensão do autor.

Portanto, qualquer prisão denominada pelos doutrinados de cautelar — em flagrante delito, temporária ou preventiva — não é cautelar ou processual, vez que antecipa não só os efeitos da futura sentença condenatória, mas também a própria sentença, sendo, portanto, prisão pena e violadora do princípio da presunção de inocência.

As mal chamadas prisões cautelares tampouco podem ser assimiladas ao instituto da antecipação dos efeitos da tutela, vez que o Ministério Público busca com a ação penal apenas a sentença condenatória, a aplicação da lei ao caso concreto, e não a entrega para si do corpo do condenado, não é esse o objeto litigado. A prisão é conseqüência da sentença condenatório-executiva e é externa à ação penal processual, não faz parte da pretensão legitimadora desta.

Somente poderíamos considerar a prisão em flagrante e as prisões cautelares como antecipação dos efeitos da sentença de procedência, se concebêssemos o corpo do acusado como bem litigado pelo promotor da acusação e a defesa do acusado, uma vez instaurado o processo. Seria esta uma aberração, lógica, antes de jurídica.

Nos casos de prisão temporária e de prisão preventiva, estamos diante de aberrações jurídicas que contrariam toda a teoria processual civil, haja vista estar-se antecipando os efeitos da sentença condenatório-executiva sem que tenha sido sequer instaurado o processo, numa, e a sentença condenatória e seu efeito, noutra.

Teórica, jurídica e racionalmente, o autor da ação penal não tem legitimidade para litigar objetivando lançar mão sobre o corpo do indiciado ou acusado — corpo que é a expressão material do conceito político-jurídico liberdade —; busca a ação penal apenas a demonstração da culpabilidade deste diante do fato delituoso ocorrido.

A ação penal é apenas condenatória, tem como limite o pedido de condenação, o que torna irracional qualquer pedido de prisão temporária ou preventiva feito pelo Ministério Público: não pode o promotor de acusação pedir aquilo que não tem direito, aquilo que não é objeto do litígio processual - o corpo do suspeito ou acusado -, aquilo que não está legitimado a pedir: é a violação da lógica e da racionalidade teórico-jurídica processual. A prisão do condenado é efeito da sentença penal condenatório-executiva.

Explica-se:

Em caso de mandado de prisão temporária expedido pelo Juízo a pedido do delegado de polícia — previsto no CPP — a decisão antecipa os efeitos de futura sentença penal condenatória executiva, sem que ainda tenha sequer sido instaurado o processo.

Em caso de prisão temporária ou preventiva decretada já em fase processual, tratar-se-ia de antecipação da sentença e dos seus efeitos, vez que somente é lógico e juridicamente correto falar em antecipação dos efeitos da tutela, ou da sentença de procedência — é do que se trata —, em caso de a decisão judicial satisfazer, ainda que de forma provisória, a pretensão de direito material da parte autora. O Ministério Público não litiga o direito de lançar mão sobre o corpo do acusado, confiscá-lo para si; apenas busca a sentença penal condenatória, sendo a prisão efeitos da sentença penal condenatório-executiva, haja vista ser apenas mero ato administrativo, quiçá matemático, de aplicação da pena já estabelecida na lei, como cominação à conduta delitiva praticada pelo condenado. Da mesma forma é essa uma aberração teórica e jurídica, vez que não se permite a antecipação da sentença com base em juízos de pura verossimilhança, auferida de inquérito e investigação ainda inquisitivos. Também porque a sentença é ato final que somente pode ser proferida no processo penal após o contraditório e a ampla defesa, principalmente se condenatória.

Conseqüentemente, não há racionalidade teórica ou jurídica nos pedidos de prisão temporária ou preventiva feitos pelo Ministério Público: a prisão não é a pretensão do promotor de acusação, não é este o objeto do litígio; a parte só pode realizar pedido de decisão cautelar ou de antecipação dos efeitos da sentença de procedência concernente ao bem litigado: ou para assegurar a execução ou para realizar a execução para segurança, ainda que de forma provisória.

O ordenamento processual não prevê ou aceita em matéria penal a antecipação da sentença, a prolação de sentença provisória de mérito, ou seja: somente se explicaria teoricamente a prisão temporária e a prisão preventiva se concebêssemos a possibilidade de prolação de sentença temporária de mérito, que, por sua vez, teria como efeitos a prisão temporária e a preventiva, ambas provisórias, efetuada com base em pura verossimilhança.

Da mesma forma, não é possível tratar as decisões que decretam as prisões temporária e preventiva como decisões interlocutórias, vez que estas se legitimam no processo civil por aterem-se ao mérito da lide, ao objeto litigado: como segurança para a execução ou execução para a segurança.

Logo, se a prisão é efeito da sentença penal condenatória, não integra a pretensão da ação penal, somente é possível conceber a prisão provisória — temporária ou preventiva — como efeito de uma sentença, ainda que provisória, ao ser impossível antecipar os efeitos da sentença sem antecipar a sentença, no processo penal.

Tampouco é compreensível ou explicável antecipar a sentença e seus efeitos, seria o restabelecimento do processo inquisitivo e sigiloso, sem contraditório, um retorno à idade média: a isso se assemelham as chamadas prisões cautelares. O código de Processo Civil, referência teórica dos doutrinados, admite o julgamento antecipado da lide apenas em caso de desnecessidade de produção de provas em audiência e quando tratar-se de matéria unicamente de direito (artigo 330 do CPC).

Em última instância, diante da impossibilidade de outra medida impeditiva de continuidade delitiva, somente se legitimaria a prisão antes de sentença penal transitada em julgado em casos de flagrante delito, apenas até que perdurasse a situação que a legitimou. A radicalização do princípio deve-se à necessidade de o Estado-judiciário cumprir suas funções constitucionais e constitutivas, razões de sua existência, qual seja realizar os julgamentos em tempo razoável, conforme preceitua o artigo 5º, inciso LXXVIII.

Revista Consultor Jurídico, 22 de julho de 2008

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sábado, julho 19, 2008

A Questão da Súmula 691 do STF

Barreira necessária

Volume de ações impede STF de revogar a Súmula 691

por Aline Pinheiro

Por trás dos dois mais discutidos casos jurídicos do momento — a extradição de Salvatore Cacciola e a prisão e soltura de Daniel Dantas —, está uma desconhecida da população, mas bastante familiar e temida pelos advogados: a Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal. A regra determina que o STF não deve julgar pedido de liminar em Habeas Corpus contra decisão liminar de tribunal superior.

Editada há quase cinco anos, a súmula tem sido constantemente deixada de lado pelo Supremo e muitos defendem que ela tem de ser revogada. Quando os ministros entendem estar diante de flagrante ilegalidade, concedem o pedido a despeito da súmula.

No caso de Dantas, o seu pedido de Habeas Corpus preventivo (feito antes de ele ser preso) só chegou ao STF porque os tribunais abaixo negaram. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, aplicou o entendimento da Súmula 691 do STF: não analisou o pedido de Dantas porque questionava decisão monocrática do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Por isso, o HC chegou ao Supremo.

Já a ligação de Salvatore Cacciola com a súmula é mais direta. Foi, pode-se dizer, por culpa dele que ela foi editada. Em 2000, o ex-banqueiro, que estava preso, foi beneficiado por uma liminar em Habeas Corpus dada pelo ministro Marco Aurélio. O mesmo pedido já tinha sido feito ao Superior Tribunal de Justiça, que negou a liminar. Logo após sair da prisão, Cacciola embarcou para a Itália e, quando foi cassada a liminar de Marco Aurélio, não pôde ser preso. Nem a sua extradição foi acolhida porque Cacciola é cidadão italiano. Ele só foi preso no ano passado porque estava em Mônaco.

Após suportar diversas críticas à decisão de Marco Aurélio, os ministros do Supremo aprovaram a Súmula 691, em 24 de setembro de 2003, com o seguinte texto: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do relator que, em Habeas Corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

Mas a Súmula 691 é, em muitos casos, deixada de lado pelo tribunal que a aprovou. Em 2005 — dois anos depois do seu nascimento —, os ministros já discutiam se deveriam manter ou revogar a regra. Hoje, é cada vez mais comum ver ministro superando a súmula é analisando pedido de Habeas Corpus contra liminar por considerar que há flagrante ilegalidade. A ministra Ellen Gracie é a exceção que ainda se mantém estritamente fiel à formalidade.

“A Súmula 691 é um amesquinhamento da garantia constitucional do Habeas Corpus e o melhor que o Supremo Tribunal Federal tinha a fazer era seu enterro, sem pompa e sem circunstância”, considera o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron. Foi ele o responsável pelo pedido de Habeas Corpus feito em 2005, que levou o STF discutir se revogava a súmula ou não.

O pedido estava na 1ª Turma, mas foi remetido ao Plenário para que a validade da súmula fosse analisada. Toron, que defendia o publicitário Roberto Justus, pedia a superação da jurisprudência. O relator da matéria, ministro Cezar Peluso, propôs a revogação da súmula com o argumento de que ela representa condescendência com a ameaça à liberdade de locomoção dos cidadãos.

Para ele, o Supremo não pode se recusar a corrigir uma ilegalidade só porque a decisão ilegal ainda é provisória. “Essa característica da decisão [provisória] não tem repercussão alguma no tema da viabilidade do pedido de ordem ao Supremo, porque nem a Constituição nem as normas processuais subalternas condicionam a propriedade do uso do remédio extremo do Habeas Corpus à circunstância de não ser provisória ou transitória a violência, atual ou virtual, á liberdade física do cidadão”, disse o ministro na ocasião.

Peluso, no entanto, foi acompanhado apenas pelo ministro Marco Aurélio, que sempre se mostrou contrário à súmula. A 691 foi mantida. Mas, a partir daí, começou uma nova fase. No julgamento, ficou decidido que a jurisprudência poderia ser desconsiderada sempre que houvesse flagrante ilegalidade. No caso, os ministros afastaram a súmula para trancar ação penal contra o publicitário.

Nas palavras de Peluso, o que foi decidido é o seguinte: “Mantemos a Súmula e, a partir de hoje, fingimos que ela não existe”. Foi o que aconteceu no caso de Roberto Justus e de outros famosos, como Paulo Maluf e seu filho, Flávio. Foi o que aconteceu também agora no caso de Daniel Dantas.

Dique judicial

A Súmula 691 não foi até agora revogada por receio de que o STF, que já julga mais de 100 mil processos por anos, fique ainda mais atabalhoado. “Por que o tribunal ainda não revogou a Súmula? É que, aí, ele abre a porta para qualquer Habeas Corpus”, explicou o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. “No entanto, o tribunal vem flexibilizando a súmula sempre que enxerga uma ilegalidade”, ponderou.

Lá em 2005, quando os ministros discutiram a manutenção ou não da regra, a preocupação da avalanche de recursos que ela poderia causar foi o grande argumento dos ministros contrários à sua revogação. Dois dele, no entanto, não estão mais na corte — Carlos Velloso, hoje substituído pelo Ricardo Lewandowski, e Sepúlveda Pertence, que deu lugar a Menezes Direito. O meio termo encontrado, então, foi manter a Súmula, mas relativizar.

“A 691 viola a Constituição Federal. É inconstitucional”, afirma o advogado criminalista Luís Guilherme Vieira. O argumento da advocacia é que a jurisprudência perpetua ilegalidades de outros tribunais. Mais ainda: ao desconsiderar a Súmula 691 em alguns casos, o STF está revogando-a na prática, já que precisa analisar o mérito para saber se tem ilegalidade que justifique a sua relativização ou não.

A sua manutenção, portanto, parece mais um aviso aos advogados de que o STF não vai suprimir instância e analisar todo e qualquer pedido. Para alguns, a atitude é um erro. Mas, como se conforma Luís Guilherme Vieira: “Cabe ao STF errar ou acertar por último. Neste caso, está errando”. É o ônus da hierarquia judicial.

Revista Consultor Jurídico, 19 de julho de 2008

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A Questão dos Recursos Repetitivos e Princípio da Ampla Defesa

Multiplicidade extinta

STJ publica regras para aplicar lei de recursos repetitivos

Em breve, o Superior Tribunal de Justiça poderá julgar um recurso e aplicar a decisão deste a todos os que versam sobre o mesmo tema. Foi publicada nesta quinta-feira (17/7), no Diário de Justiça Eletrônico, a Resolução 7 do STJ, que regulamenta a Lei 11.672. A resolução estabelece os procedimentos relativos ao processamento e julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos na Corte. A resolução deve, ainda, ser referendada pelo Conselho de Administração do tribunal.

A Lei 11.672, que entra em vigor no dia 8 de agosto, livrará o STJ de analisar milhares de processos sobre o mesmo assunto. A resolução foi assinada na última segunda-feira (14/7). Na ocasião, o ministro Humberto Gomes de Barros afirmou que, “uma vez estabelecida a orientação, ela pode se tornar um farol permanente para o juiz”.

A nova norma legal dispõe que, em caso de multiplicidade de Recursos Especiais com fundamento em idêntica questão de direito, cabe ao presidente do tribunal de origem (Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça) admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao STJ. Os demais recursos ficam com julgamento suspenso até o pronunciamento definitivo dos ministros.

A Resolução define o que são processos repetitivos e também fixa prazos para que o julgamento dos recursos que ficaram suspensos seja feito em até 60 dias, após a decisão do STJ no recurso principal. “A grande qualidade dessa lei é fazer com que as questões semelhantes tenham soluções semelhantes, em prazos muito curtos”, disse Gomes de Barros na segunda-feira.

As regras

A Resolução estabelece que caberá aos presidentes dos Tribunais de Justiça e Regionais Federais ou a quem for indicado pelo Regimento Interno admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, suspendendo por 180 dias a tramitação dos demais. Determinada a suspensão, esta alcançará os processos em andamento no primeiro grau que apresentem igual matéria controvertida, independentemente da fase processual em que se encontrem.

No STJ, o ministro relator que verificar em seu gabinete a existência de múltiplos recursos com fundamento em questões idênticas de direito ou que receber o Recurso Especial dos tribunais estaduais e regionais poderá, por despacho, afetar o julgamento de um deles à Seção ou à Corte Especial, desde que, na última hipótese, exista questão de competência de mais uma Seção.

O julgamento do Recurso Especial afetado deverá se encerrar no STJ em 60 dias, contados da data em que o julgamento de processos sobre o mesmo tema foi suspenso, aguardando o julgamento definitivo no tribunal. Se não se encerrar o julgamento no prazo indicado, os presidentes dos tribunais de segundo grau poderão autorizar o prosseguimento dos recursos especiais suspensos, remetendo ao STJ os que sejam admissíveis.

O ministro Gomes de Barros espera que a regulamentação se torne não uma norma, mas uma orientação definitiva para o juiz. “Os juízes de primeiro grau que julgarem contra a orientação definitiva do STJ estarão causando prejuízo tanto à parte cujo interesse foi assistido pela decisão, porque estará atrasando o julgamento, quanto à outra parte, porque estará dando uma esperança vã para ela”, afirmou. “Tenho a esperança de que ela seja uma reforma cultural na vida forense brasileira.”

Gomes de Barros destacou que o funcionamento da Lei 11.672/08 pressupõe uma jurisprudência estável, fixa. Para ele, o que justifica a existência do tribunal é a segurança jurídica, um valor absoluto no Estado de Direito. “Se a jurisprudência vacilar, essa lei cairá na inutilidade”, alertou. “O que justifica a existência do STJ é a estabilidade da interpretação da lei federal plenamente.”

Leia a resolução

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RESOLUÇÃO 7, DE 14 DE JULHO DE 2008.

Estabelece os procedimentos relativos ao processamento e julgamento de recursos especiais repetitivos.

O PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no uso da atribuição que lhe é conferida pelo art. 21, XX do Regimento Interno, “ad referendum” do Conselho de Administração, e CONSIDERANDO a necessidade de regulamentar os procedimentos para admissibilidade e julgamento dos recursos especiais repetitivos, previstos na Lei n. 11.672, de 8 de maio de 2008, em relação ao Superior Tribunal de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça,

RESOLVE:

Art. 1º Nos Tribunais Regionais Federais e nos Tribunais de Justiça, havendo multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, tanto na jurisdição cível quanto na criminal, caberá ao presidente, admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, suspendendo por 180 dias a tramitação dos demais.

§ 1º Serão selecionados pelo menos 1 (um) processo de cada Relator e, dentre esses, os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial.

§ 2º O agrupamento de recursos repetitivos levará em consideração apenas a questão central de mérito sempre que o exame desta possa tornar prejudicada a análise de outras questões periféricas argüidas no mesmo recurso.

§ 3º Poderá o presidente do tribunal, em decisão irrecorrível, estender a suspensão aos demais recursos, julgados ou não, mesmo antes da distribuição.

§ 4º Determinada a suspensão prevista no parágrafo anterior, esta alcançará os processos em andamento no primeiro grau de jurisdição que apresentem igual matéria controvertida, independentemente da fase processual em que se encontrem.

§ 5º A suspensão atingirá os recursos especiais mesmo quando a questão de direito idêntica não exaurir a sua admissibilidade.

§ 6º Suspender-se-ão, igualmente, os agravos de instrumento interpostos contra decisão de inadmissão de recursos especiais.

§ 7º A suspensão será certificada nos autos.

Art. 2º No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro-Relator, verificando a existência, em seu gabinete, de múltiplos recursos com fundamento em idênticas questões de direito ou recebendo dos tribunais de origem recurso especial admitido com base no artigo 1º, caput, desta Resolução, poderá, por despacho, afetar o julgamento de um deles à Seção ou à Corte Especial, desde que, nesta última hipótese, exista questão de competência de mais de uma Seção.

Parágrafo único. A afetação será comunicada ao tribunal de origem, pela coordenadoria do órgão julgador, para suspender os recursos que versem sobre a mesma controvérsia.

Art. 3º Antes do julgamento, o Ministro-Relator:

I – autorizará, ante a relevância da matéria, a manifestação escrita de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

II – dará vista dos autos ao Ministério Público, nos casos previstos em Lei, por 15 (quinze) dias.

Art. 4º A Coordenadoria da Seção ou da Corte Especial, ao receber o recurso especial afetado, deverá:

I – incluí-lo na primeira pauta disponível, quando será julgado com preferência sobre os demais, exceto os processos relativos a réu preso, habeas corpus e mandado de segurança;

II – comunicar a afetação, por ofício, aos demais Ministros integrantes do órgão julgador;

III – extrair cópias do acórdão recorrido, do recurso especial, das contra-razões, da decisão de admissibilidade, do parecer do Ministério Público e de outras peças indicadas pelo Ministro-Relator, encaminhando-as aos integrantes do órgão julgador pelo menos 5 (cinco) dias antes do julgamento.

Art. 5º Informados da afetação, os demais Ministros integrantes do órgão julgador poderão determinar a suspensão dos processos que lhes foram distribuídos e versem sobre as mesmas questões do recurso especial afetado.

§ 1º A suspensão não dependerá de ato formal do Ministro e durará até o julgamento definitivo do recurso.

§ 2º O Ministro poderá determinar que os processos suspensos sejam remetidos à coordenadoria do órgão julgador, onde aguardarão o julgamento definitivo do recurso.

Art. 6º O julgamento do recurso especial afetado deverá se encerrar no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da afetação, nos termos do inciso LXXVIII do artigo 5º, da Constituição Federal.

Parágrafo único. Não se encerrando o julgamento no prazo indicado, os Presidentes dos Tribunais de segundo grau de jurisdição poderão autorizar o prosseguimento dos recursos especiais suspensos, remetendo ao Superior Tribunal de Justiça os que sejam admissíveis.

Art. 7º Publicado o acórdão do recurso especial afetado, os Ministros que tenham determinado a suspensão de recursos fundados em idêntica controvérsia poderão:

I – julgá-los nos termos do artigo 557 do Código de Processo Civil;

II – caso tenham adotado o procedimento a que se refere o § 2º do artigo 5º desta Resolução, autorizar por ofício a substituição da decisão por certidão de julgamento, a ser expedida pela coordenadoria do órgão julgador.

§ 1º Adotado o procedimento descrito no inciso II deste artigo, o prazo para interposição de recurso, nos processos suspensos, terá início 3 (três) dias após a publicação do acórdão referente ao recurso especial afetado.

§ 2º Os agravos de instrumento, distribuídos ou não, poderão ser julgados na forma estabelecida neste artigo.

Art. 8º A coordenadoria do órgão julgador expedirá ofício aos tribunais de origem com cópia do acórdão relativo ao recurso especial afetado.

Art. 9º Após o julgamento definitivo do recurso especial afetado, quaisquer outros recursos remetidos a este Tribunal serão julgados pela Presidência, nos termos da Resolução n. 3, de 17 de abril de 2008.

Art. 10 A suspensão a que se refere o artigo 1º, caput, desta Resolução, cessará automaticamente assim que publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido no recurso especial afetado, aplicando-se aos recursos especiais suspensos as seguintes regras:

I – coincidindo os acórdãos recorridos com o julgamento do STJ, não serão admitidos;

II – divergindo os acórdãos recorridos do julgamento do STJ, serão novamente submetidos ao órgão julgador competente no tribunal de origem, competindo-lhe reconsiderar a decisão para ajustá-la à orientação firmada no acórdão paradigma, sendo incabível a interposição de outro recurso especial contra o novo julgamento.

III – havendo outras questões a serem decididas, além daquelas julgadas no acórdão paradigma, serão submetidos a juízo de admissibilidade.

Art. 11 O procedimento estabelecido nesta Resolução aplica-se aos agravos de instrumento interpostos contra decisão que não admitir recurso especial.

Art. 12 Os processos suspensos em primeiro grau de jurisdição serão decididos de acordo com a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, incidindo, quando cabível, o disposto nos artigos 285-A e 518, § 1º, do Código de Processo Civil.

Art. 13 Será considerada juridicamente inexistente manifestação prévia do relator, no tribunal de segundo grau de jurisdição, a respeito da manutenção do acórdão recorrido desafiado por recurso especial sujeito ao procedimento estabelecido na Lei n.11.672/2008 e nesta Resolução.

Art. 14 Esta Resolução entra em vigor em 8 de agosto de 2008 e será publicada no Diário de Justiça eletrônico.

União dos Palmares, 14 de julho de 2008.

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico [do] Superior Tribunal de Justiça, 17 jul. 2008.

Revista Consultor Jurídico, 18 de julho de 2008

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terça-feira, julho 15, 2008

Alterações no CTB - Alcool e Direção

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (LEI 11.705/2008): direfença entre a infração administrativa e a penal

LUIZ FLÁVIO GOMES

Professor Doutor em Direito penal pela Universidade de Madri e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG ( www.lfg.com.br)

O art. 165 do CTB, ao disciplinar a infração administrativa de embriaguez ao volante, diz: “Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação”.

O art. 306, ao cuidar do delito de embriaguez ao volante, sublinhou: “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.

Infere-se o seguinte: (1) duas são as condutas incriminadas no art. 306: (a) conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas e (b) conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; (2) a primeira conduta não pode ser interpretada como infração de perigo abstrato (sim: é uma infração de perigo concreto indeterminado, porque exige uma condução anormal, ou seja, exige o “estar sob a influência de álcool” + direção anormal).

Se ambas exigem “estar sob a influência”, qual é a diferença entre elas? Temos que cuidar do assunto por partes.

No que diz respeito à embriaguez decorrente de álcool depreende-se o seguinte: por força do novo art. 276 qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeitaria o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código (ou seja: pela literalidade do dispositivo, ocorre infração administrativa com qualquer concentração de álcool no sangue). A infração penal, por seu turno, exige seis decigramas ou mais de álcool por litro de sangue (art. 306). O índice de tolerância (pelo que se tem noticiado) é de 0,2 decigramas de álcool por litro de sangue.

Conclusão: até 0,2 decigramas: margem de tolerância (fato atípico); de 0,2 a 0,6 decigramas: infração administrativa (art. 165). Igual ou mais que seis decigramas: infração penal (art. 306), se todos os seus requisitos estiverem presentes. A primeira diferença entre a infração administrativa e a penal, como se vê, está no nível de concentração de álcool no sangue. O fator distintivo (por enquanto) é meramente quantitativo. A quantidade de álcool é o primeiro critério diferenciador.

E se o sujeito dirigia com menos de seis decigramas de álcool por litro de sangue, porém, normalmente (corretamente) – essa, aliás, é uma situação absolutamente corriqueira? Trata-se da infração administrativa do art. 165, visto que ela exige (só) “estar sob a influência de álcool” (ou seja: uma condição pessoal alterada). Não se trata de infração penal porque a concentração era menos de seis decigramas.

Toda quantidade de álcool no sangue já é suficiente para a infração administrativa? Não. A resposta está no parágrafo único do novo art. 276, que diz: “Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos.” Quantidade insignificante de álcool no sangue (decorrente do consumo de um bombom com licor, por exemplo) não autoriza nem sequer a configuração da infração administrativa. A polícia vem tolerando o índice de 0,2 decigramas.

E se o sujeito tinha concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas, mas dirigia seu veículo normalmente (corretamente, sem nenhum deslize viário)? Não se trata de infração penal (art. 306). Cuida-se, sim, de infração administrativa (art. 165). O crime exige embriaguez + direção anormal (risco concreto para a segurança viária). Risco concreto (direção em zig-zag, v.g.). Em síntese: condutor anormal + condução anormal.

Não se admite presunção contra o réu (se estava bêbado, automaticamente cometeu infração penal). Direção normal, ainda que com seis decigramas ou mais de álcool, não é infração penal. É administrativa. A infração administrativa não exige direção anormal. Só o “estar sob a influência”. Isso é perigo abstrato. Que se admite para a infração administrativa, não para a penal.

No que concerne à segunda parte do art. 306 (que coincide com a segunda parte do art. 165) temos o seguinte: tanto a infração administrativa (art. 165) como a infração penal (art. 306) exige dirigir “sob a influência de outra substância psicoativa que determine dependência”. Estar “sob a influência” no âmbito administrativo só exige uma coisa: um sujeito alterado em razão da substância que ingeriu; no âmbito penal exige duas coisas: estar alterado + direção anormal.

Conclusão final:

1. embriaguez por álcool ou outra substância em quantidade absolutamente insignificante (a polícia vem adotando o seguinte critério: menos de 0,2 decigramas de álcool por litro de sangue é insuficiente para configurar a infração administrativa): fato absolutamente atípico (ou seja: não é infração administrativa nem penal);

2. embriaguez por álcool: com quantidade absolutamente insignificante (até 0,2 decigramas): conduta atípica (não é infração penal nem administrativa; nisso reside a margem de tolerância); de dois a seis decigramas por litro de sangue (direção normal ou anormal): infração administrativa (art. 165); com seis decigramas ou mais e, além disso, direção anormal: infração penal (art. 306); com seis decigramas ou mais, mas com direção normal: infração administrativa (art. 165).

3. intoxicação por outras drogas: com quantidade absolutamente insignificante: conduta atípica (não é infração penal nem administrativa); com direção normal (o agente estava drogado, mas dirigia corretamente): infração administrativa (art. 165); com direção anormal (agente drogado + direção anormal – em zig-zag, v.g.: infração penal - art. 306).

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Sagrado Direito de Ampla Defesa

Mudanças no código

Nova lei de júri afronta direito de defesa do réu

por Jayme Walmer de Freitas

Penso que o intento do legislador ao editar o novo procedimento do júri está assentado em todas as premissas de um processo penal mais ágil e com distribuição de Justiça mais equânime e sem tantos recursos contra nulidades na quesitação.

Sabe-se que os quesitos se tornaram um dos tópicos de maior vulnerabilidade da sessão de julgamento, porquanto os decretos de nulidade por sua má formulação eram freqüentes. Na busca de um formato com questionamentos mais singelos e de maior assimilação para os jurados, na redação do artigo 483 do Código de Processo Penal, afastam-se maiores dificuldades para sua aplicabilidade. Neste contexto, de se parabenizar o legislador pela modificação em tela.

De outro bordo, guardo sérias dúvidas quanto à viabilidade prática da audiência una e do interrogatório como último ato da instrução.

Na medida em que o interrogatório se insere na audiência, levanto algumas reflexões para que se avalie a pertinência ou não das mesmas.

I — Interrogatório A partir de 2003, passou a ser meio de defesa, não só meio de prova. Na esteira dos Juizados Criminais, muitos doutrinadores passaram a defender que sua colocação como último ato da instrução seria valioso para o melhor exercício da ampla defesa. Até porque, ciente de todas as vertentes trilhadas pelo órgão acusatório, possui todas as condições de se contrapor a cada uma delas.

Penso que embora sedutora a idéia que vem sendo defendida por luminares do processo penal brasileiro, com a devida vênia, penso não ser o melhor para a ampla defesa do réu e para o melhor desempenho da justiça criminal em face da comunidade, pelas ponderações que ora se faz:

a) Primeiro ato e não último O interrogatório há de ser o primeiro ato da instrução, justamente para que o acusado contraste o que a acusação lançou contra si, indicando ao magistrado quais testemunhas desmerecem credibilidade ou sobre quais deva o juiz ficar atento, porquanto lhe são de confiança duvidosa; bem como esclarecer os fatos indicando se existiu abuso de poder ou excesso contra a sua pessoa ou coisas.

No formato da lei, estando o interrogatório ao final da instrução e ultimada esta, ficará o magistrado de mãos atadas, salvo queira promover acareações, por exemplo, com policiais que, porventura, tenham agredido o acusado. Se o fizer, procrastinará, desnecessariamente, a instrução processual, que é um dos fundamentos maiores da alteração legislativa.

Mantendo o statu quo ante, ou seja, ficando o interrogatório como primeiro ato da instrução, o magistrado terá a tese acusatória e a antítese do réu – sua autodefesa – que somada à defesa técnica já apresentada – permitirão conduzir a instrução com maior domínio da dialética processual.

Pode-se dizer que a indicação das testemunhas de duvidosa credibilidade será feita na defesa preliminar, contudo mais de 90% dos réus são defendidos por defensores públicos e estes somente têm contato com os patrocinados no dia da audiência, inviabilizando tal assertiva.

b) Reperguntas Diz a lei em seu artigo 474, § 1º, que “O Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado”. Ora, se o interrogatório é meio de defesa deve ser considerado um ato de defesa, uma prova da defesa, tanto que pode ser pleiteado o reinterrogatório para se buscar melhoria no quadro defensivo, e como tal, as reperguntas hão de ser iniciadas pelo defensor e não pelo acusador. Tecnicamente, penso que a previsão legal ofende a igualdade das partes, porquanto se o Ministério Público é o que primeiro repergunta nas testemunhas de acusação, outra não poderia ser a imposição legal quando se tratasse de prova defensiva, como o interrogatório.

c) Preso em outra comarca. Causa maior de adiamento de audiências No caso de réu preso em outra circunscrição e não trazido para a audiência, o juiz tendo convocado todas as testemunhas para a audiência una, será obrigado a redesignar o ato, provocando enorme constrangimento na vida das pessoas, mormente civis que atenderam ao chamado. Sabe-se quão comum é — especialmente testemunhas de defesa – serem ameaçadas de perder o emprego pelos patrões em face de sua ida aos fóruns. Note-se que a referência é a um réu somente; não raro, dado o crescimento da criminalidade, são comuns vários réus presos pelo mesmo processo, sendo rotineiro não serem conduzidos à audiência sob alegações as mais diversas — falta de funcionário, de combustível, de viatura etc. Pensar diferente é desconhecer a realidade carcerária, em especial a paulista.

d) Confissão O interrogatório como primeiro ato facilita a instrução quando o réu decide confessar — embora raro em crimes dolosos contra a vida — os fatos imputados, porquanto a acusação pode desistir de parte das suas testemunhas e a defesa idem, alcançando-se a prestação jurisdicional com maior celeridade. Sendo o último ato, ao contrário, desconhecendo-se que a pretensão do acusado é admitir a acusação, o magistrado é obrigado a ouvir todas as testemunhas arroladas por todos para, só então, ouvir o réu e se dar conta do tempo perdido na produção de provas desnecessárias.

II — Audiência de instrução una. Sensível prejuízo à organização da pauta de audiências Os dados acima externados conduzem à preocupação quanto à audiência única. Pelo número de testemunhas — 8 de cada parte — por certo as Varas do Júri somente poderão realizar duas audiências por dia. Este viés resultará em profunda oneração da pauta, pela baixa produção do número de audiências.

Lembre-se que a simples ausência do réu ou de uma testemunha – um policial, por exemplo – que tenha conhecimento acurado do fato, imporá o adiamento que repercutirá negativamente na prestação jurisdicional. Tanto o réu preso pelo processo como as testemunhas defensivas deverão comparecer na nova data.

Admitindo-se a manutenção do statu quo ante — com interrogatório como primeiro ato — se o réu já tivesse sido ouvido, especialmente através de videoconferência, nas hipóteses mencionadas no artigo 217 do CPP (com a redação nada inteligível do dispositivo constante da Lei 11.690/08), as partes poderiam avaliar com maior clareza o contexto probante e, se fosse o caso, desistir de oitivas e, quiçá, das testemunhas faltantes. Tenho convicção de que o interrogatório como último ato instrutório dificultará sobremaneira a avaliação da estratégia defensiva e adoção de medidas que facilitem uma melhor prestação jurisdicional.

III — Conclusão e sugestão Como operador do direito, juiz criminal que sou, decidi externar minha visão sobre os aspectos mais negativos que senti no novel diploma processual penal, mormente no que tange à instrução processual. Estou certo que o procedimento do júri sofrerá profundamente com a adoção dos ditames da Lei 11.689/08. Por certo, do mesmo modo, as despesas do Poder Executivo com a condução de presos serão oneradas sensivelmente diante do quadro que ora se espelha.

Tenho esperança que o legislador reflita e não adote o mesmo com o procedimento ordinário, sob pena de se ter um caos forense com conseqüências imprevisíveis.

Anote-se que pela nova redação do artigo 212 da Lei 11.689/08, as perguntas são formuladas diretamente pelas partes e o juiz completará a inquirição sobre pontos não esclarecidos. Paradoxalmente, o legislador no rito do Júri define que, em plenário, o juiz inquirirá e as partes reperguntarão as testemunhas de acusação, enquanto nas de defesa, o defensor perguntará diretamente à testemunha.

Ora o juiz conduz — no rito do júri — e ora a parte o faz — no rito do CPP. Esta alteração exige maior reflexão, haja vista sua interferência intrínseca na condução de uma audiência de instrução nos ritos previstos no CPP e do júri.

A título de sugestão e com o devido respeito aos integrantes do legislativo, basta que se adote o rito da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) com audiência una, para termos um processo penal exemplar com atendimento a todos os princípios constitucionais. O diferencial fundamental reside na posição geográfica do réu ser ouvido por primeiro.

Caso não possa ser trazido, porque preso em outra comarca ou pelo número excessivo de presos, o juiz, justificando, realiza o interrogatório ouvindo-o por precatória (ou quiçá por videoconferência) e designa mais adiante a audiência de instrução e julgamento. O fracionamento da audiência de instrução — pelo interrogatório antecipado — não provoca qualquer prejuízo ao acusado, ao contrário permite que receba a prestação jurisdicional com maior rapidez e permite que o juiz administre com serenidade a pauta de audiências.

Revista Consultor Jurídico, 14 de julho de 2008

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Advogado - Inviolabilidade do Escritório

Local do advogado

Vai para sanção projeto que restringe busca em escritório

por Gláucia Milicio

Os escritórios de advocacia estão a um passo de se proteger melhor de buscas e apreensões. O Senado aprovou o Projeto de Lei 36/06, que regulamenta as buscas e apreensões de documentos e materiais no local de trabalho do advogado. O projeto aguarda, agora, sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O relator no Senado foi o senador Valter Pereira (PMDB-MT) e, na Câmara, o deputado Marcelo Ortiz (PV-SP), presidente da Frente Parlamentar da Advocacia. A proposta aprovada estabelece que a busca e a apreensão nos escritórios só ocorrerá se o suspeito do crime for o próprio advogado. Nesse caso, o juiz poderá decretar a quebra da inviolabilidade.

O projeto altera o artigo 7º, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, e introduz a garantia da inviolabilidade do escritório do advogado. Do dispositivo foi suprimida a parte que dizia “salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado”. A nova lei veta também a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

As buscas e apreensões em escritórios são alvos constantes de reclamações da advocacia. Em 2005, por exemplo, a Polícia Federal deflagrou a Operação Cevada e atingiu diversos escritórios de advocacia. Na ocasião, a PF afirmou que fora a maior operação de combate à sonegação fiscal já feita no Brasil. A operação envolvia a cervejaria Schincariol.

Outra megaoperação foi a Monte Éden, deflagrada no mesmo ano. Nesta, a PF prendeu 24 pessoas, entre advogados e empresários, e promoveu buscas e apreensões em cinco escritórios de advocacia. No mesmo ano, o presidente da seccional paulista da OAB, Luiz Flavio Borges D’Urso, chegou a pedir ao STJ para não permitir a invasão de escritórios com mandados genéricos para apreender documentos de clientes.

Do site Consultor Jurídico

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Súmula Vinculante - Efeitos Catastróficos

Defesa técnica

Súmula Vinculante 5 gerou efeitos antidemocráticos

por Rafael Pinto Cordeiro

No dia 7 de maio de 2008, o plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou por unanimidade a sua quinta Súmula Vinculante, estabelecendo que é dispensável a defesa técnica por advogado em Processo Administrativo Disciplinar.

A redação da indigitada súmula — que está em sentido diametralmente oposto ao verbete expresso da Súmula 343 do Superior Tribunal de Justiça — é a seguinte: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

Em que pese a decisão do Supremo Tribunal Federal ter posto fim à discussão jurídica há muito travada, não podemos nos furtar em fazer uma breve análise crítica do entendimento sumulado, atentos especialmente aos comandos constitucionais inscritos nos artigos 5º, LV e 133 da Carta Maior.

Isso porque a nossa Constituição Federal foi explícita ao prever o contraditório e a ampla defesa - com todos meios a ela inerentes - como garantia individual e coletiva inderrogável também nos processos administrativos, além de arvorar o advogado como peça indispensável à administração da justiça.

Não discordamos da doutrina da ministra Ellen Gracie, cuja parte do voto deu redação à ementa do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 207.197, ao afirmar que “A extensão da garantia constitucional do contraditório (artigo 5º, LV) aos procedimentos administrativos não tem o significado de subordinar a estes toda a normatividade referente aos feitos judiciais, onde é indispensável a atuação do advogado”

Vale ressaltar, entretanto, que o PAD tem por objeto a apuração de ilícitos funcionais e, quando for o acaso, a aplicação da respectiva sanção administrativa. A penalidade aplicada muitas vezes ocasiona resultados extremamente gravosos ao servidor, próximos às sanções de natureza penal não restritivas de liberdade.

No Estatuto dos Servidores Públicos Federais, Lei 8.112/1990, a indisponibilidade de bens do servidor (artigo136), a sua impossibilidade de retornar ao serviço público (artigo 137, parágrafo único) e a cassação de aposentadoria (artigo 127, IV), são exemplos das graves conseqüências que podem advir de um Processo Administrativo Disciplinar.

Em virtude dessa peculiaridade que o diferencia dos demais procedimentos, o saudoso professor Hely Lopes Meirelles já falava de uma “tendência da jurisdicionalização do poder disciplinar, que impõe condutas formais e obrigatórias para garantia dos acusados contra arbítrios da Administração”. [Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª Edição. Malheiros]

Se por um lado concordamos que não se pode transpor toda a normatividade referente aos feitos judiciais aos processos administrativos, por outro entendemos que as regras inerentes ao princípio do devido processo legal devem ser amplamente aplicadas àqueles processos de índole “restritivo-sancionatório”, vez que as sanções administrativas estão cada vez mais gravem, possuindo, ademais, aspectos imunes ao controle judicial.

Isto porque o mérito da decisão administrativa — salvo em ocasiões muito particulares que não cabe explanação neste pequeno ensaio — é insindicável pelo Poder judiciário, em razão da separação dos poderes. Mesmo que modernamente se entenda que o número de elementos do ato administrativo passíveis de controle de legalidade tenha se ampliado, ainda permanece um núcleo irreparável pela função jurisdicional, o que impõe uma apreciação na esfera administrativa cada vez mais zelosa.

Nesse sentido a voz sempre respeitada do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, arrolando os objetivos dos processos administrativos, leciona que “o procedimento ou processo administrativo revela-se de grande utilidade para complementar a garantia de defesa jurisdicional, porquanto, em seu curso, aspectos de conveniência e oportunidade passíveis de serem levantados pelos interessados podem conduzir a Administração a comportamentos diversos dos que tomaria, em proveito do bom andamento da coisa pública e de quem os exibiu em seu interesse. Ora, tais aspectos não poderiam ser objeto de apreciação na via jurisdicional, que irá topar com o ato sem poder levar em conta senão a dimensão da legalidade. Aliás, Carlos Ari Sundfeld mostra que centrar o estudo da atividade administrativa apenas no ato administrativo, com prescindência de atenção ao procedimento, tem o inconveniente de deixar encoberta a tramitação seqüencial, e, portanto, a existência de um instrumental apto a abortar efeitos lesivos — o que é melhor do que simplesmente remediá-los.” [Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª Edição. Malheiros ]

Portanto, a participação obrigatória do advogado nos Processos disciplinares preveniria a ocorrência de nulidades no âmbito administrativo, festejando, entre outros, o princípio da economicidade, uma vez que evitaria ações judiciais para anulação de tais procedimentos.

Entendemos que a decisão do STF se fundamentou exclusivamente no princípio da segurança jurídica. Na linha do legítimo entendimento expresso pelo competente Advogado Geral da União, José Antônio Dias Toffoli, a manter-se o entendimento dado pelo STJ à questão, a obrigatoriedade da presença do advogado em PAD daria ensejo à demandas em que servidores, além de sua reintegração ao cargo, poderiam reclamar salários atrasados de todo o período em que dele estiveram ausentes.

Esse argumento, “concessa máxima vênia”, é destituído de substrato jurídico, olvidando-se, inclusive, da regra imperativa proclamada pela Constituição Federal, que assegura a apreciação do Poder Judiciário às lesões ou ameaças a direitos.

Por essa razão, emerge neste caso particular uma das mais contundentes críticas que se faz às Súmulas Vinculantes, qual seja, a de que elas obliteram a função precípua dos juízes de dizerem o direito caso a caso, compondo os conflitos de interesse na exata medida de suas realidades.

Em nossa vida profissional constatamos que não raro a Administração Pública comete equívocos de interpretação e aplicação das leis, como podemos citar a conduta corriqueira e pacífica no âmbito da Administração Pública Federal em impedir-se a participação dos advogados na oitiva dos acusados em processos disciplinares, acreditando achar amparo na norma inscrita no artigo 159, §1º, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais.

A presença do defensor tecnicamente habilitado no acompanhamento dos feitos administrativos muitas vezes consegue demover o Administrador em aplicar interpretações equivocadas do ordenamento jurídico, fazendo valer as prerrogativas constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Além dos direitos fundamentais individuais garantirem, o artigo 41 §1º, II da CF assegura o efetivo contraditório ao servidor público estável, prescrevendo que este somente perderá o cargo “mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa”.

A estabilidade e essas tantas prerrogativas conferidas aos ocupantes de cargo público são privilégios atribuídos em favor da própria sociedade, pois protegem o exercício da função pública de ingerências políticas momentâneas, que podem, eventualmente, interferir na apenação do funcionário.

A regra é que o princípio da indispensabilidade do advogado seja atendido, só podendo ser mitigada em procedimentos especiais e que não aniquilem princípios tão caros ao Estado Democrático de Direito, como o do efetivo direito de defesa.

Faz-se necessário, ainda, que a exceção a este comando normativo seja legitimada por efeitos materiais benéficos que dela possam decorrer, como ocorre nos casos da possibilidade do próprio coagido impetrar “habeas corpus”, e na facilitação do acesso aos Juizados Especiais e na Justiça Trabalhista até um certo limite.

Nem se alegue que a obrigatoriedade de ser acompanhado por causídico acarretaria ônus excessivo ao servidor processado, mesmo porque, às pessoas que comprovem insuficiência de recursos financeiros, o Estado prestará assistência jurídica através das — bem-vindas — Defensorias Públicas. (artigo 5º LXXIV e 134 da CF).

Em razão de sua envergadura constitucional, a norma do artigo 133 da Carta Política tem aplicabilidade imediata, descabendo interpretações que retirem por completo a sua normatividade. Quanto aos seus efeitos jurídicos, por mais que se entenda como sendo de eficácia contida, ou restringível, a sua normatividade já foi regulamentada pelo artigo 68 Lei Federal 8.906/1994, gravado nos seguintes termos: “Art. 68. No seu ministério privado o advogado presta serviço público, com os juízes e os membros do Ministério Público, elemento indispensável à administração da justiça.”.

Talvez por isso, segundo o professor José Afonso da Silva, “A Advocacia não é apenas uma profissão, é também um múnus e “árdua fatiga posta a serviço da Justiça” (Couture), como servidor ou auxiliar da Justiça. É um dos elementos da administração democrática da Justiça. Por isso, sempre mereceu o ódio e a ameaça dos poderosos.” [SILVA, José Afonso da. Comentário Textual à Constituição. 4ª Edição. Malheiros.]

Dessa forma, o comando que diz “o advogado é indispensável à administração da justiça” deve ser interpretada de forma a entender que o causídico serve como um fiscal da lei, prevenindo aplicação desvirtuada das regras jurídicas nos casos concretos.

Além da importância da OAB como instituição, o advogado em seu ministério particular exerce um serviço público, como bem assevera a Lei Federal supracitada, atendendo não só aos anseios de seu cliente no particular, mas também ajudando a consolidar a democracia no país.

Certamente a súmula em debate não reduzirá as milhares demandas jurídicas que aportam diariamente no Judiciário. Se por um lado, em um primeiro momento, ela pode constranger o ingresso ao judiciário para pleitear a nulidade fundada na simples ausência de defesa técnica por advogado, por outro, a falta desses profissionais qualificados acarretará uma enxurrada de pedidos de Segurança fundados em procedimentos viciados, que poderia ser impedida pela participação dos causídicos.

Acreditamos que a constante tensão existente entre a Administração e os Administrados — aparados pela defesa técnica do advogado — seja salutar, na medida em que esses debates feitos de maneira dialética acarretam mudanças positivas na doutrina e na jurisprudência administrativa.

É essa tensão, natural e amplamente construtiva, que se espera acontecer em uma República que se constituiu em Estado Democrático de Direito, firmando, cada vez mais, o tão sonhado modelo participativo. E não é a pretexto de diminuir as demandas judiciais que se pode sufocar a consagração de direitos individuais e coletivos triunfados após séculos e séculos de debates democráticos.

Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2008

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